Um homem tinha casado com uma mulher muito
lambareira, mas que fingia que nunca tinha vontade de comer; ele desconfiado
espreitava-a, e veio a conhecer que ela não fazia senão comer petiscos. Um dia
ele saiu de casa, dizendo-lhe que não vinha senão à noite, e escondeu-se no
forno. A mulher como se achou só, cantou e foi arranjar um almoço de gulodices,
que eram formigos de pão esfarelado com mel e ovos. Quando chegou a hora do
jantar guisou uma grande pratada de migas, e comeu e lambeu-lhe o beiço. Ao fim
da tarde, ainda não era bem lusco-fusco, tornou a acender o lume e ensopou dois
franguinhos para a ceia. O marido viu-lhe comer tudo aquilo, e esteve sempre
calado, até que quando lhe pareceu saiu do seu esconderijo, e fingiu que
entrava em casa como quem vinha de muito longe. Ora o dia esteve sempre de
chuva, e o homem vinha enxuto como as palhas; a mulher lá ficou admirada, e
disse:
— Oh homem, com este dia de água como vens
tão enxuto! Onde é que estiveste?
Ele respondeu:
Chovia miudinho
Como os formigos que almoçaste;
Se chovesse graudinho
Como as migas que jantaste,
Eu viria ensopadinho
Como os frangos que ceaste.
A mulher conheceu que já não enganava o marido, que se serviu deste pé de cantiga para lhe repinicar o pandeiro.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Porto)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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