Era uma vez um homem que se casou com uma
mulher muito cheia de dengues. Fingia não ter apetite. Quando se sentava à mesa
era para tocar apenas nos pratos. Comia três grãos de arroz e já cruzava o
talher, como se tivesse comido um boi inteiro.
O marido desconfiou de tanta falta de
apetite, porque apesar daquele eterno jejum ela estava bem gordinha. E imaginou
uma peça.
— Mulher — disse ele — tenho de fazer uma
viagem de muitos dias. Adeus.
E partiu com a mala às costas — mas deu jeito
de voltar sem ser percebido e de esconder-se na cozinha, atrás do pilão.
Logo que se viu só em casa, a mulher dos
dengues suspirou de alívio e correu à cozinha.
— Joaquina — disse à cozinheira — prepare-me
depressa uma sopa bem grossa,
que quero almoçar.
A negra preparou uma panelada de sopa, que a
dengosa engoliu até o finzinho.
Logo depois disse à cozinheira:
— Joaquina mate um frango e prepare-me
um ensopado para o jantar.
A negra preparou o ensopado, que ela comeu
sem deixar uma isca.
— Agora, Joaquina, prepare-me uns beijus bem fininhos para eu merendar.
E merendou os beijus, sem deixar nem um
farelo.
— E agora, Joaquina, prepare-me um prato de
mandioca bem enxuta para eu
cear.
A negra preparou a mandioca, que a dengosa
comeu até não poder mais.
O marido então escapou do seu esconderijo e
foi bater na porta da rua, fingindo estar chegando da viagem. Era um dia de
chuva bem forte.
Quando a mulher abriu e deu com o homem,
ficou desapontada. Ele explicou que havia desistido da tal viagem e voltado.
— Mas maridinho, como chegou você tão enxuto,
debaixo duma chuva tão grossa?
O marido respondeu:
— Se a chuva fosse tão grossa como a sopa que você
almoçou, eu viria tão ensopado como
o frango que você jantou; mas como era uma chuva fina como os beijus que você merendou, eu cheguei tão enxuto como a mandioca que você
ceou.
A dengosa ficou admiradíssima daquelas
palavras em desapontadíssima ao compreender que o esposo tinha descoberto sua
manha. E acabou com os dengues.
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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
Olá! Amei seu blogue. No entanto, quando se trata de Lobato, devemos estar atentos, porque ele gostava muito de "se inspirar" em material alheio sem citar adequadamente as fontes. Essa história, como outras que você apresentou, é integrante do volume "Contos populares do Brasil", de Sílvio Romero. Pois é, não é sempre que, em "Histórias de tia Nastácia", Lobato cita Romero. Cita duas vezes, em todo o livro, como se Romero só tivesse compilado as duas histórias em que é mencionado. Nem menciona Pimentel. Enfim... vale então pôr a versão de Romero? Que tal? Abraço! Blogue maravilhoso!
ResponderExcluirValeu Lícia, pelas dicas... Estamos ainda em construção. Abraços...
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