Havia um viúvo com três filhas. Um dia
resolveu casar-se de novo — e casou com uma mulher muito má, que tinha ódio às
meninas. Fazia-as trabalhar como verdadeiras escravas.
No quintal havia uma grande figueira. Quando
chegou o tempo dos figos, a madrasta botou as meninas lá tomando conta para que
os passarinhos não bicassem os figos.
As três coitadinhas passavam debaixo da figueira o dia todo, dizendo aos sanhaços que se aproximavam:
Xô,
xô, passarinho,
aí não toques o biquinho.
Vai-te embora pro teu ninho...
Mas mesmo assim aparecia um ou outro figo
bicado e a madrasta batia nas três.
Um dia em que o homem fez uma longa viagem a
madrasta aproveitou-se para mandar enterrar vivas as coitadinhas. Quando o
homem voltou e indagou das filhas, a peste respondeu que haviam caído doentes e
morrido, apesar de todos os remédios. O pobre pai ficou muito triste.
Mas aconteceu que no lugar onde as meninas tinham sido enterradas brotou logo um lindo capinzal — dos cabelos delas, e quando batia o vento o capinzal murmurava:
Xô,
xô, passarinho,
aí não toques o biquinho.
Vai-te embora pro teu ninho...
Um negro, tratador dos animais da casa,
andando a cortar capim, ouviu aqueles murmúrios e teve medo de mexer nas
pontinhas. Foi contar o caso ao patrão.
O patrão não quis acreditar, e disse-lhe que cortasse o capim com murmúrio e tudo. O negro obedeceu. Mas quando levantou a foice, ouviu novamente a misteriosa voz, que dizia:
Capineiro
de meu pai,
não me cortes os cabelos;
minha mãe me penteava,
minha madrasta me enterrou
pelo figo da figueira
que o passarinho bicou.
O negro foi correndo contar o caso ao patrão,
com um grande susto na cara. E tanto fez que o obrigou a chegar até lá. E então
o pai das meninas ouviu o lamento das filhas enterradas.
Mandou buscar uma enxada e cavar, e
retirou-as da terra, vivas por milagre de Nossa Senhora, que era madrinha das
três.
Quando voltaram para casa, na maior alegria
deram com a madrasta estrebuchando. Um castigo do céu tinha caído sobre a
peste.
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Ano de
publicação: 1922.
esquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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