sábado, 11 de dezembro de 2021

A lenda da Chicória (Lendas de plantas), de Eduardo Sequeira

 

A LENDA DA CHICÓRIA 

Chicória era uma princesa tão formosa, que todos os homens ao vê-la ficavam para sempre perdidos de amores. Dourara-lhe o sol os cabelos mais finos que a mais fina seda, o céu emprestara-lhe aos olhos o seu doce azul, e a neve, a branca neve das montanhas, tinha inveja à puríssima alvura da sua cútis. 

Era um encanto. 

O rei, seu pai, que a estremecia doidamente, satisfazia-lhe todos os caprichos, todos os desejos, de modo que o viver de Chicória deslizava entre afagos e desejos satisfeitos, numa completa e intensa felicidade. 

Porém um dia o amor tudo transtornou. 

Um belo trovador, um daqueles gentis boêmios que percorriam o mundo de lira no braço, deixando um rasto de paixões no caminho percorrido, chegou ao palácio, onde foi recebido com todo o carinho que então se dispensava ao seguro depositário das antigas tradições guerreiras e das castas e belas lendas d'amor. 

Berengère se chamava ele, e nunca até então viera ao palácio real quem melhor soubesse dedilhar a lira, soltar ao vento os magoados queixumes duma alma amorosa ou atingir o ápice do entusiasmo na narrativa dos feitos audazes dos valentes guerreiros imortalizados em campanhas feramente medonhas. 

Chicória amou-o perdidamente, e costumada a satisfazer todos os caprichos, pediu ao pai que a casasse com o trovador. O rei, que nada recusava à filha, acedeu constrangido, mas o belo trovador, que não queria perder a estremecida liberdade que tantas várias aventuras galantes lhe proporcionava e tantos constantes prazeres seguros lhe dava, ao saber dos desejos da formosa princesa fugiu do palácio para nunca mais voltar. 

A alegria de Chicória desapareceu desde então para sempre. Passava os dias sentada no varandim do palácio olhando pela estrada além a ver se o trovador, condoído do seu profundo amor, voltava arrependido, trazendo-lhe a ventura perdida. 

Mas debalde esperou. 

Veio o inverno, e de sempre olhar fixamente para os caminhos cobertos de neve, pouco a pouco desapareceu-lhe a luz dos olhos... 

Então, não podendo resistir a este último golpe, a princesa morreu de paixão. 

Sepultaram-na perto do palácio, à beira da estrada, num local por ela designado, voltada para o sitio donde sempre esperara o regresso do amante; pouco tempo depois, da sepultura da gentil donzela morta de amor, brotaram as plantas que lhe conservam o nome, e que dão uma flor que pelo belo azul que a tinge faz recordar os castos olhos da candidíssima princesa.



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Ano de publicação: 1892
Origem: Portugal
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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