Era uma vez um homem, que não pôde pagar a
renda ao fidalgo de quem era caseiro, e foi-lhe pedir perdoança; o fidalgo
pensou que o que ele estava era a mentir, e disse-lhe:
— Só te perdoo as medidas da renda se me
disseres uma mentira do tamanho de hoje e amanhã.
Foi-se o lavrador para casa e contou a coisa
à mulher sem saberem como se haviam de arranjar com o senhorio, que os podia
pôr no olho da rua. Um filho tolo, que tinha, disse-lhe:
— Oh meu pai, deixe-me ir ter com o fidalgo,
que eu hei de arranjar a coisa de modo que ele não tenha remédio senão dar a
perdoança das medidas.
— Mas tu não atas coisa com coisa.
— Por isso mesmo.
Foi o tolo e pediu para falar ao fidalgo,
dizendo que vinha ali pagar a renda. O fidalgo mandou-o entrar, e ele então
disse:
— Saberá vossa senhoria, que a anesa foi má,
mas isso não faz ao caso; meu pai tinha tantos cortiços de abelhas que não lhe
dava com a conta; pôs-se a contar as abelhas e acertou de lhe faltar uma; botou
o machado às costas e foi procurar a abelha; achou-a pousada na carucha de uma
amieira; vai ele cortou a amieira para caçar a abelha, que por sinal vinha tão
carregadinha de mel, que ele crestou-a, e não tendo em que guardar o mel meteu
a mão no seio e tirou dois piolhos e fez da pele dois odres que encheu, mas
quando vinha a entrar em casa uma galinha comeu-lhe a abelha; atirou à galinha
com o machado para a matar, mas o machado perdeu-se entre as penas; chegou o
fogo às penas, e depois que elas arderam é que achou o olho do machado; dali
foi ao ferreiro para lho arranjar, e o ferreiro fez-lhe um anzol, com que foi
ao rio apanhar peixes, e saiu-lhe uma albarda, tornou a deitar o anzol e
apanhou um burro morto há três dias que pestanejava; botou-se a cavalo nele e
foi ao ferrador para lhe dar uma mezinha, e ele deu-lhe o remédio de sumo de
fava seca, mas nisto caiu-lhe um bocado num ouvido, onde lhe nasceu tamanho
faval, que tem dado favas e comido favas, que ainda aí trago quinze carros
delas para pagar a renda a vossa senhoria.
O fidalgo já enfadado com tanta patranha
disse:
— Oh rapaz, tu mentes com quantos dentes tens
na boca.
— Pois, senhor, está a nossa renda paga.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Portugal (Airão - Minho)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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