TRÊS IRMÃOS
Um homem teve três filhos que lhe pediram
para aprender cada um o seu ofício. João aprendeu a ferreiro, José a
carpinteiro e Joaquim a barbeiro. João e José pediram depois ao pai para irem
ganhar a sua vida, e lhe pediram a bênção. Joaquim também pediu para ir ganhar
a sua vida, e em vez de benção pediu a sua herança. Quando este saiu deu uma
topada que despegou uma unha do pé, e disse:
— Diabo
te leve, portada do inferno!
O pai respondeu:
— Nele
entrarás, maldito!
O filho partiu para se encontrar com os irmãos;
andou mais de um mês e não os encontrou. Desenganando-se de os não encontrar
deixou-se ficar numa cidade, e, por ser noite, foi dormir na guarda do tesouro.
Nesta noite entraram quatro ladrões para roubarem o tesouro e Joaquim foi preso
com eles. Não tendo Joaquim pessoa que o conhecesse, escreveu ao pai, que não
lhe respondeu.
O ferreiro da cadeia mandou procurar um
oficial do ofício e João se apresentou. Tomou parte na tenda e passou a
contramestre, e depois a mestre. Precisou-se também de um carpinteiro e
apresentou-se José. No dia em que este se apresentou na cadeia, saía Joaquim
escoltado para a forca. Os dois irmãos foram-se empenhar com o rei e a rainha
para o soltarem. O rei respondeu:
— Minha
palavra não torna atrás.
Partiram-se os irmãos sem esperança. Os
quatro ladrões tinham sido absolvidos e toda a culpa recaía sobre Joaquim.
Quando estava ele já para ser enforcado, chegou um cavaleiro, ordenando que
suspendessem os trabalhos, e entrou pelo palácio adentro e disse ao rei:
— Venho
para que atendas ao pedido que te fizeram os irmãos daquele padecente; isto já
quanto antes, senão morrerás tu e ficará ele salvo e com a coroa.
Num abrir e fechar de olhos, deu o cavaleiro,
que era o demônio, três estouros, e morreu o rei, ficando Joaquim com a coroa.
João e José ficaram como vassalos do irmão. O boato de tal grandeza chegou aos
ouvidos do pai de Joaquim, que correu e foi pedir perdão ao filho pelo que lhe
tinha dito, quando saíra ele de casa. Joaquim respondeu-lhe:
— Eu passei por muitos maus transes e quem me salvou foi o diabo; quem há de valer a vossemecê dos mesmos transes será rainha mãe:
Respondeu o velho:
— Rei
senhor, filho meu, tua mãe eu a matei por ter dado à luz três filhos de uma
vez; eu te criei com leite de uma vaca que está em poder do Rei das Colunas no
Campo das Feras.
O rei disse:
— Quero
minha mãe e a vaca que me amamentou, e isto sem demora.
Retirou-se o velho muito triste; encontrou um
cavaleiro que lhe perguntou o que tinha, ao que o velho respondeu que nada
sofria, mas sentia ir morrer por vontade de seu filho:
— Porque para livrar-me é preciso dar-lhe
conta de minha mulher e de uma vaca; a mulher matei-a e a vaca vendi-a. Não
tenho remédio; estou perdido.
Respondeu o cavaleiro:
— Não
digas tal; tudo isto tem remédio. Quando acabares de percorrer os três rios
deste reinado, hás de achares o que procuras; os rios distam uns dos outros mil
léguas.
Tratou o velho de seguir viagem. No cabo de
quinhentos dias chegou ao primeiro rio. Ficou na margem do rio, por o não poder
atravessar, e à noite deitou-se debaixo de um arvoredo. À meia-noite chegaram
os diabinhos para fazerem suas visagens; no mesmo instante o velho acorda e
põe-se a escutar. Pergunta o diabo mais velho:
— Ó
capenga, diz-me o que fizeste?
Respondeu o capenga:
— No
reino das Três Colunas eu fiz uma mulher conceber três filhos de uma só vez;
porque sabia que o marido a havia de matar.
Os diferentes diabinhos foram contando as
suas façanhas:
— Eu
fiz o marquês da Bruma queimar as librés dos seus criados; eu tenho a filha da
condessa escondida no Vale do Sultão; eu fiz a princesa namorar o estribeiro do
rei; eu fiz a rainha vender a coroa.
Cada diabo dava uma resposta destas.
Findou-se a sessão. O velho levantou-se e pôs-se a viajar. No fim de quinhentos
dias chegou ao segundo rio, e aí na margem deitou-se a dormir. À meia-noite
começaram as fadas a chegar para fazer seu ajuntamento. Disse a fada mais velha:
— Fademos,
manas, o que fizeram?
Começaram as fadas a dar as suas respostas:
— Eu
fiz um rei deserdar do trono a princesa; eu fiz o Reino das Maravilhas
encantar-se, só o desencantará o João ferreiro, que é vassalo do irmão; eu
encantei a Cidade de Âmbar, só a desencanta o José carpinteiro; eu encantei o
Reino das Três Colunas, só o desencantará Jorge, pai dos três felizes, que
todos três hão de ser reis, depois que o pai andar mil e quinhentos dias; terá
de passar três dias debaixo d’água e ser comido pela serpente; depois de tudo
isto será feliz.
O velho só por ouvir isto já estava mais
morto do que vivo, por ver que tinha de passar tantos trabalhos. Pôs-se a
caminho sem descansar. Estando muito fatigado, deitou-se num capão de mato e
pegou no sono. Então ouviu uma voz que lhe dizia:
— Levanta-te,
segue tua viagem senão serás vítima de uma serpente.
O velho acordou e pôs-se a correr; mas já era
tarde, e foi engolido vivo por uma serpente. No ventre da serpente esteve o
Jorge 496 dias, quando ela entrou num rio e levou três dias no fundo como se
fosse peixe. Depois foi dar à costa nas matas encantadas do reino das Três
Colunas, e aí morreu, saindo para fora o velho ainda vivo, mas muito magro e
abatido. Pegou no sono e ouviu uma voz que dizia:
— Levanta-te,
acompanha-me, pega estas chaves, abre aquela porta, e vai abrindo quantas fores
achando; hás de ver dentro de uma bola de vidro um cabelo, dentro de uma caixa
uma pedra e dentro de uma gaveta uma espada. Amola esta espada até ficar bem
afiada e corta o cabelo nos ares. Se o não cortares de uma só cutilada, todos
as bichos ferozes virão sobre ti e te devorarão. Se cortares de uma só vez
serás feliz.
Jorge seguiu tremendo e medroso; abre as
portas e encontra os objetos: amolou a espada um dia inteiro. Depois deu o
golpe no cabelo e o cortou, enchendo a casa de sangue, tantos pingos quantos
soldados. Achou sua mulher e a sua vaca. Houve muitas festas, mandando Jorge
todos adorar a vaca. Ficou bem com seu filho, e foram todos felizes.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Pernambuco (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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