quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Peixes na floresta (Fábula), de Monteiro Lobato

 

PEIXES NA FLORESTA
 

Era um camponês que tinha uma esposa muito faladeira. Um dia em que ele achou um tesouro enterrado na floresta, trouxe-o para casa e disse à mulher: 

— Acabo de descobrir uma grande fortuna, mas temos de escondê-la. Onde será? 

A mulher achou melhor enterrarem o tesouro debaixo do assoalho da isbá em que moravam. O camponês concordou. Mas assim que a mulher foi ao poço buscar água, tirou o tesouro dali e escondeu-o em outro lugar. 

— Mulher, mulher — disse o camponês — é preciso que ninguém saiba que temos este tesouro aqui debaixo do assoa lho. Muito cuidado com a língua, ouviu? 

Mas como não tinha a menor confiança nela, armou um plano. 

— Olhe, amanhã iremos à floresta apanhar peixes. Dizem que estão aparecendo em quantidade. 

— O quê? Peixes na floresta? Onde já se viu isso? 

— Na floresta você verá. 

Madrugadinha o camponês levantou-se e foi à vila. Comprou uma porção de peixes, uma porção de aletria e uma lebre. Passou depois pela floresta, espalhando tudo aquilo em vários pontos. A lebre ele fisgou num anzol de linha comprida e jogou n'água. 

Chegando em casa, almoçou e convidou a mulher para irem à floresta. Foram. Que beleza! Peixe por toda parte, um aqui, outro ali, outro acolá. A mulher, com gritos de surpresa, ia acomodando a peixada na cesta. 

Depois deu com a aletria pendurada de uma árvore. 

— Olhe, marido! Aletria pendurada em árvore!... 

— Não me espanto de coisa nenhuma — disse o homem. — Nestes últimos dias tem chovido muita massa dessa, que fica assim pendurada das árvores. Mas a gente da aldeia já apanhou quase tudo. 

Nisto chegaram à lagoa, onde ele jogara a lebre. 

— Espere um pouco, mulher. Esta manhã pus aqui uma linha de anzol com isca para lebre d'água. Vou ver se apanhei alguma. 

Puxando a linha apareceu no anzol uma lebre. 

— Como é isso? — gritou a mulher. — Lebre d'água? Que coisa espantosa! Nunca ouvi dizer de lebre que morasse em água!... 

— Nem eu, mas o fato é que pesquei uma. 

Voltaram para casa com aquela lindíssima colheita e a mulher passou o dia a preparar os peixes e a lebre. 

Uma semana depois em toda a redondeza só se falava no tesouro que o camponês descobrira. As autoridades mandaram chamá-lo. 

— É verdade que achou um tesouro na floresta? O camponês riu-se. 

— Tesouro, eu? Ah, quem me dera achar um! 

— Mas sua própria mulher anda assoprando no ouvido de toda gente que você achou um tesouro e o escondeu debaixo do assoalho da sua isbá. 

— Minha mulher anda a dizer isso? Coitada! É uma louquinha que não sabe o que diz. 

— É verdade, sim! — gritou a mulher, furiosa. — Ele achou um tesouro, que eu ajudei a enterrar debaixo do assoalho! Louca, eu! É boa... 

— Quando foi isso? — perguntou o camponês. 

— Na véspera daquele dia em que juntamos peixe na floresta. 

— Peixe na floresta? — repetiu o homem, fazendo cara de não entender. 

— Sim. No dia em que choveu aletria e você pescou uma lebre d'água. 

As autoridades convenceram-se de que a mulher era mesmo louca, e como na busca que deram nada encontrassem debaixo do assoalho da isbá, o caso morreu. O camponês esfregou as mãos, de contente. 

— Veja se eu fosse me fiar nela! Estava hoje desmoralizado e com o meu rico tesouro perdido...

 

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Ano de publicação: 1937.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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