Américo Pisca-Pisca tinha o hábito de pôr
defeito em todas as coisas. O mundo para ele estava errado e a natureza só
fazia asneiras.
— Asneiras, Américo?
— Pois então?!… Aqui mesmo, neste pomar, você
tem a prova disso. Ali está uma jabuticabeira enorme sustendo frutas
pequeninas, e lá adiante vejo colossal abóbora presa ao caule duma planta
rasteira. Não era lógico que fosse justamente o contrário? Se as coisas
tivessem de ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas, passando as
jabuticabas para a aboboreira e as abóboras para a jabuticabeira. Não tenho
razão?
Assim discorrendo, Américo provou que tudo
estava errado e só ele era capaz de dispor com inteligência o mundo.
— Mas o melhor — concluiu — é não pensar
nisto e tirar uma soneca à sombra destas árvores, não acha?
E Pisca-Pisca, pisca-piscando que não acabava
mais, estirou-se de papo para cima à sombra da jabuticabeira.
Dormiu. Dormiu e sonhou. Sonhou com o mundo
novo, reformado inteirinho pelas suas mãos. Uma beleza! De repente, no melhor
da festa, plaf! Uma
jabuticaba cai do galho e lhe acerta em cheio no nariz.
Américo desperta de um pulo; pisca, pisca;
medita sobre o caso e reconhece, afinal, que o mundo não era tão mal feito
assim. E segue para casa refletindo:
Que espiga!… Pois não é que se o mundo fosse
arrumado por mim a primeira vítima teria sido eu? Eu, Américo Pisca-Pisca,
morto pela abóbora por mim posta no lugar da jabuticaba? Hum! Deixemo-nos de
reformas. Fique tudo como estar, que está tudo muito bem.
E Pisca-Pisca continuou a piscar pela vida em
fora, mas já sem a cisma de corrigir a natureza.
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Ano de publicação: 1922.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba
Mendes (2021)
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