quinta-feira, 18 de novembro de 2021

O Papagaio do Limo Verde (Conto popular), de Sílvio Romero

 

O PAPAGAIO DO LIMO VERDE

Uma vez havia, num lugar retirado duma cidade, uma velha que tinha três filhas: uma de um só olho, outra de dois, e outra de três. Perto da casa da velha havia uma outra casa, onde morava uma moça muito bonita. Por esta moça namorou-se o príncipe real do reino do Limo Verde, que a visitava todas as noites, e lhe estava dando muitas riquezas. A velha vizinha entrou a desconfiar daquelas riquezas, e, uma vez por outra, ia à casa da moça para ver se pilhava alguma coisa, e nada... 

Uma vez sua filha mais velha, que tinha três olhos, lhe disse:

— Minha mãe, me deixe ir passar a noite na casa da vizinha que eu descubro o segredo. 

A velha concordou, e a moça dos três olhos foi. Chegando lá disfarçou: 

— Ó vizinha, há muito tempo que não lhe vejo; vim hoje passar a noite com você. 

— Pois não, vizinha, a casa está às ordens! — respondeu a bela namorada. 

Quando foi na hora de irem dormir, a dona da casa deu à sua companheira, em lugar de chá, uma dormideira. A moça dos três olhos ferrou no sono como uma pedra; roncou toda a noite e não viu nada. 

O príncipe real do Limo Verde veio, como de costume, encantado num grande e lindo papagaio; foi chegando e batendo com as asas na janela do quarto; a namorada abriu-a, e ele foi dizendo: 

— Dai-me sangue, dai-me leite, ou dai-me água! 

A moça apresentou-lhe um banho numa grande bacia; o papagaio caiu dentro da água a se arrufar e bater com as asas; cada pingo d’água que lhe caía das penas era um diamante, e assim é que a moça ia ficando cada vez mais rica. O papagaio, no banho, desencantou-se num lindo príncipe, que passou a noite com a sua namorada. De madrugadinha tornou a virar em papagaio, bateu asas e foi-se embora. A mulher dos três olhos não viu nada; voltou para casa e disse à mãe que tudo eram boatos falsos, e que na casa da vizinha não havia novidade. 

Daí a tempos a irmã de dois olhos se ofereceu para ir passar também uma noite na casa da vizinha; foi e chupou da dormideira, pegou no sono, e veio o papagaio, e ela nada viu. Voltou para casa sem descobrir o segredo. Passados dias, a moça de um só olho se ofereceu à mãe, dizendo: 

— Agora, minha mãe, minhas irmãs já foram, e eu quero também ir descobrir o segredo. 

As irmãs caçoaram muito dela: 

— Quando nós, que temos mais olhos do que tu, não vimos nada, quanto mais tu, que tens um só!... 

Enfim a velha consentiu, e a sua filha de um só olho foi. Chegando lá, fez muita festa à rica vizinha, e, quando foi a hora da ceia, fingiu que bebia a dormideira, e derramou-a no seio. Deitou-se e fingiu que estava dormindo. Lá para alta noite chegou o grande e bonito papagaio, batendo com as asas na janela; a dona da casa abriu, e ele se desencantou num moço muito formoso, e, como das outras vezes, dentro da bacia do banho ficou muito ouro e muitos brilhantes que a namorada guardou. A sujeitinha de um olho só via tudo caladinha. No outro dia bem cedinho largou-se para casa e contou tudo à mãe. No dia seguinte a velha foi quem veio passar a noite na casa da moça. Quando entrou para o quarto de dormir disfarçou e colocou umas navalhas bem afiadas na janela por onde tinha de entrar o papagaio. Ele, quando veio se cortou todo nas navalhas e disse para a namorada: 

— Ah, Maria ingrata! Nunca mais me verás; só se mandares fazer uma roupa toda de bronze e andares até ela se acabar... 

Bateu asas, e voou. A moça, que não esperava por aquilo, ficou muito desgostosa, e logo compreendeu a razão das visitas daquela gente a sua casa. Mandou fazer uma roupa toda de bronze, e com chapéu, sapatos e bastão também de bronze, e largou-se pelo mundo a procurar o reino do Limo Verde. Depois de muito andar, sem ninguém lhe dar notícia, foi ter à casa do pai da Lua. 

Lá chegando disse a que ia. O pai da Lua a recebeu muito bem, lhe disse que só sua filha lhe poderia dar notícia de tal terra, que ele não sabia; mas que ela, quando vinha para casa, era muito aborrecida e zangada com todos, que portanto a peregrina se escondesse bem escondida. Assim foi. Quando ela chegou, veio muito enjoada, dizendo: 

— Aqui me fede a sangue real! 

O pai a enganou, dizendo: 

— Não, minha filha, aqui não veio ninguém, foi um frango que eu matei para nós cearmos. 

A Lua tomou banho e se desencantou numa princesa muito formosa e foi para a mesa cear. Aí o pai disse: 

— Minha filha, se aqui viesse uma peregrina indagar por uma terra, tu o que fazias? 

— Mandava entrar e tratava muito bem, e se está aí apareça. 

A moça apareceu e disse a sua história. A Lua lhe respondeu que andara muitas terras; mas que daquela nunca tinha ouvido nem falar; mas o Sol havia de saber. A moça se despediu, e, na saída, a Lua lhe deu de presente uma almofadinha de fazer rendas toda de ouro, com os bilros de ouro, alfinetes de ouro e etc., tudo de ouro. A moça seguiu. Ao depois de muito andar, e estando já com os vestidos de bronze quase acabados, chegou à casa da mãe do Sol. Entrou e disse ao que ia. A mãe do Sol a tratou muito bem; disse que não sabia onde era aquela terra; mas seu filho havia de saber, porque andava muito; o que tinha era que quando vinha para casa era muito zangado, queimando tudo, e que ela se escondesse bem. Assim foi. Quando o Sol veio, foi aquele quenturão de acabar tudo, e dizendo: 

— Aqui me fede a sangue real, aqui me fede a sangue real! 

A mãe o enganou dizendo que tinha sido uma galinha que tinha preparado para o jantar. O Sol tomou seu banho e se desencantou num belo príncipe. Na mesa a mãe lhe disse: 

— Meu filho, se aqui viesse uma peregrina, perguntando por uma terra, tu o que fazias? 

— Mandava entrar e tratava muito bem. 

A moça apareceu e disse o que queria. O Sol lhe respondeu que nunca tinha ouvido falar em semelhante terra, que só o Vento Grande poderia saber dela, porque andava mais do que ele. A moça se despediu, e, na saída, o Sol lhe deu uma galinha de ouro, com uma ninhada de pintos todos de ouro, e vivos e andando. A moça seguiu viagem e foi ter, depois de muito trabalho, à casa do pai do Vento Grande. Lá chegando disse ao que ia, e o velho pai do Vento Grande respondeu que não sabia; mas que seu filho havia de saber, o que tinha era que, quando vinha, era como doido, botando tudo abaixo, e que a moça se amarrasse bem num esteio da casa. Assim ela fez. O Vento Grande quando veio chegando era aquele zoadão, que fazia medo, botando muros e telhados abaixo, e dizendo: 

— Aqui me fede a sangue real! 

— Não é nada, meu filho, foi um capão para nossa ceia. 

Assim o velho foi enganando até que ele tomou o banho e se desencantou num moço muito belo. Na mesa o pai lhe disse: 

— Se aqui viesse uma peregrina, tu o que fazias? 

— Mandava entrar e tratava bem. 

A moça apareceu e disse o que queria. O Vento Grande respondeu: 

— Oxente! Ainda agora passei por lá; é perto. Monte-se amanhã na minha cacunda, e, onde avistar um pé de árvore muito grande e copudo na frente de um palácio muito rico, agarre-se nos galhos, deixe-me passar que é aí. 

No dia seguinte, quando o Vento Grande partiu, a moça montou-lhe na cacunda e seguiram. 

Depois de muito voar por muitas terras e reinos, avistou o pé de árvore na frente dum grande palácio; o Vento logo de longe foi dizendo: 

— É ali; agarre-se nos galhos, senão eu a levo para o fim do mundo. 

Assim a moça fez; agarrou-se num galho da árvore, e o Vento seguiu. Ela desceu e pôs-se embaixo da árvore, imaginando um meio de entrar no palácio para ver o príncipe, ou ter notícias dele. Com pouco chegaram três rolinhas e se puseram a conversar nos galhos da árvore. Disse uma delas: 

— Manas, não sabem? O príncipe real do Limo Verde está muito mal; talvez não escape. 

Disse outra: 

— E o que será bom para ele? 

Respondeu a terceira: 

— Ali não há mais remédio; as feridas que ele recebeu na guerra são três e não saram; só se pegarem a nós três, nos tirarem os coraçõezinhos, torrarem e moerem, e deitarem o pó nas feridas. 

A moça ouviu toda a conversa das rolas; armou um laço e pegou todas três; matou-as, tirou os corações, torrou-os e fez um pozinho e guardou. Lá no reino tinha-se espalhado a notícia de que o príncipe estava à morte de umas feridas recebidas numas guerras. 

Não achando um meio de entrar no palácio, a peregrina tirou para fora a almofada de ouro, e se pôs a fazer renda. Veio passando uma criada do palácio, viu e foi dizer à rainha, mãe do príncipe: 

— Não sabe, rainha minha senhora, ali fora está uma peregrina com uma almofada de ouro, com birros de ouro, fazendo renda também de ouro, coisa mais linda que dar-se pode. Só vosmecê possuindo... 

A rainha mandou perguntar à peregrina quanto queria pela almofada. A moça respondeu: 

— Para ela não é nada; basta me deixar dormir uma noite no quarto do príncipe que está doente. 

A criada foi dar a resposta; mas a rainha ficou muito insultada e não quis. Mas a criada lhe disse: 

— O que tem, rainha minha senhora? O príncipe meu senhor está tão mal que nem conhece mais ninguém; que mal faz que aquela tola durma lá no quarto no chão? 

A rainha concordou; foi a almofada de ouro para palácio, e a peregrina dormiu no quarto do doente. Logo nesta primeira noite ela lavou bem as feridas que o príncipe tinha no peito, e botou nelas o pó dos corações das rolinhas; mas o príncipe ainda não deu por de si, e não a conheceu. No dia seguinte a moça foi outra vez para debaixo da árvore, e puxou para fora a galinha de ouro com os pintinhos, que se puseram a andar. A criada veio passando e viu. Correu logo para palácio e disse: 

— Ó rainha minha senhora, a peregrina está com uma galinha de ouro com uma ninhada de pintos, tudo vivinho e andando... Que coisa bonita! Só rainha, minha senhora, possuindo...

A rainha mandou propor negócio. A moça disse que não era nada; bastava deixar ela dormir mais duas noites no quarto do príncipe. A rainha não queria; mas a criada arranjou tudo e a moça foi dormir no quarto do príncipe, e deu a galinha e os pintos de ouro. Na segunda noite que ela dormiu em palácio, a moça continuou o tratamento, e aí o príncipe foi melhorando e já a ia conhecendo. Na terceira noite acabou o curativo e o príncipe ficou bom. Depois que ficou de todo com saúde, saiu do quarto e apresentou à rainha e ao rei a peregrina como sua noiva, e assim se desmanchou o casamento que já lhe tinham arranjado com uma princesa vizinha. Houve muita festa na cidade e no palácio... E eu (isto diz por sua conta o narrador popular) trouxe de lá uma panelinha de doce para lhe dar (referindo-se à pessoa a quem contou a história), mas a lama era tanta que ali na ladeira dos Quiabos escorreguei e caí e lá foi-se o doce. 

Entrou por uma porta,
Saiu por um pé de pato;
Manda o rei, meu senhor,
Que me conte quatro.
 

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Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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