segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O macaco e o rabo (Versão de Pernambuco), de Sílvio Romero

 

O MACACO E O RABO

Uma ocasião achavam-se na beira de uma estrada um macaco e uma cotia e vinha passando na mesma estrada um carro de bois cantando. O macaco disse para a cotia: 

— Tira o teu rabo da estrada, senão o carro passa e corta. 

Embebido nesta conversa, não reparou o macaco que ele é que corria o maior risco, e veio o carro e passou em riba do rabo dele e cortou. Estava um gato escondido dentro de uma moita, saltou no pedaço do rabo do macaco e correu. Correu também o macaco atrás, pedindo o seu pedaço de rabo. O gato disse: 

— Só te dou, se me deres leite. 

— Onde tiro leite? — disse o macaco. 

Respondeu o gato: 

— Pede à vaca. 

 O macaco foi à vaca e disse: 

— Vaca, dá-me leite para dar ao gato, para o gato dar-me o meu rabo. 

— Não dou; só se me deres capim — disse a vaca. 

— Donde tiro capim? 

— Pede à velha. 

— Velha, dá-me capim para eu dar à vaca, para a vaca dar-me leite, o leite para o gato para me dar o meu rabo. 

— Não dou; só se me deres uns sapatos. 

— Donde tiro sapatos? 

— Pede ao sapateiro. 

— Sapateiro, dá-me sapatos para eu dar à velha, para a velha me dar capim para eu dar à vaca, para a vaca me dar leite para eu dar ao gato, para o gato me dar meu rabo. 

— Não dou; só se me deres cerda.  

— Donde tiro cerda? 

— Pede ao porco. 

— Porco, dá-me cerda para eu dar ao sapateiro, para me dar sapatos para dar à velha, para me dar capim para dar à vaca, para me dar leite para dar ao gato, para me dar o meu rabo. 

— Não dou, só se me deres chuva. 

— Donde tiro chuva? 

— Pede às nuvens. 

— Nuvens, dai-me chuva para o porco, para dar-me cerda para o sapateiro, para dar-me sapatos para dar à velha, para me dar capim para dar à vaca, para dar-me leite para dar ao gato, para dar meu rabo... 

— Não dou; só se me deres fogo. 

— Donde tiro fogo? 

— Pede às pedras. 

— Pedras, dai-me fogo para as nuvens, para chuva para o porco, para cerda para o sapateiro, para sapatos para a velha, para capim para a vaca, para leite para o gato, para me dar meu rabo. 

— Não dou; só se me deres rios. 

— Donde tiro rios? 

— Pede às fontes. 

— Fontes, dai-me rios, para os rios ser para as pedras, as pedras me dar fogo, o fogo ser para as nuvens, as nuvens me dar chuvas, as chuvas ser para o porco, o porco me dar cerda, a cerda ser para o sapateiro, o sapateiro fazer os sapatos, os sapatos ser para a velha, a velha me dar capim, o capim ser para a vaca, a vaca me dar o leite, o leite ser para o gato, o gato me dar meu rabo. 

Alcançou o macaco todos os pedidos; o gato bebeu o leite, entregou o rabo; o macaco não quis mais, porque o rabo estava podre.

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Ano de publicação: 1883
Origem: Pernambuco (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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