Havia um homem viúvo que tinha uma filha
chamada Maria; a menina, quando ia para a escola, passava por casa de uma
viúva, que tinha duas filhas. A viúva costumava sempre chamar a pequena e
agradá-la muito. Depois de algum tempo começou a lhe dizer que falasse e
rogasse a seu pai para casar com ela. A menina pegou e falou ao pai para casar
com a viúva, porque ela era “muito boa e agradável”.
O pai respondeu:
— Minha
filha, ela hoje te dá papinhas; amanhã te dará fel.
Mas a menina sempre vinha com os mesmos
pedidos, até que o pai contratou o casamento com a viúva. Nos primeiros tempos
ainda ela agradava a pequena, e, ao depois, começou a maltratá-la.
Tudo o que havia de mais aborrecido e
trabalhoso no trato da casa era a órfã que fazia. Depois de mocinha era ela que
ia à fonte buscar água, e ao mato buscar lenha; era quem acendia o fogo, e
vivia muito suja no borralho. Daí lhe veio o nome de Maria Borralheira. Uma vez
para judiá-la a madrasta lhe deu uma tarefa muito grande de algodão para fiar e
lhe disse que naquele dia devia ficar pronta. Maria tinha uma vaquinha, que sua
mãe lhe tinha deixado; vendo-se assim tão atarefada, correu e foi ter com a
vaquinha e lhe contou, chorando, os seus trabalhos.
A vaquinha lhe disse:
— Não
tem nada; traga o algodão que eu engulo, e quando botar fora é fiado e pronto
em novelos.
Assim foi. Enquanto a vaquinha engolia o
algodão, Maria estava brincando. Quando foi de tarde, a vaquinha deitou para
fora aquela porção de novelos tão alvos e bonitos!... Maria, muito contente,
botou-os no cesto e levou-os para casa. A madrasta ficou muito admirada, e no
dia seguinte lhe deu uma tarefa ainda maior. Maria foi ter com a sua vaquinha,
e ela fez o mesmo que da outra vez. No outro dia a madrasta deu à mocinha uma
grande tarefa de renda para fazer; a vaquinha, como sempre, foi que a salvou,
engolindo as linhas e botando para fora a renda pronta e muito alva e bonita. A
madrasta ainda mais admirada ficou.
Doutra vez mandou ela buscar um cesto cheio
d’água. Maria Borralheira saiu muito triste para a fonte, e foi ter com a
vaquinha que lhe encheu o cesto, que ela levou para casa. Daí por diante a
madrasta de Maria começou a desconfiar, e mandou as suas duas filhas espiarem a
moça. Elas descobriram que era a vaquinha que fazia tudo para a Borralheira.
Daí a tempos a mulher se fingiu pejada e com antojos e desejou comer a vaquinha
de Maria. O marido não quis consentir; mas por fim teve de ceder à vontade da
mulher que era uma tarasca desesperada.
Maria Borralheira foi e contou à vaca o que
ia acontecer; ela disse que não tivesse medo, que, quando fosse o dia de a
matarem, Maria se oferecesse para ir lavar o fato; que dentro dele havia de
encontrar uma varinha, que lhe havia de dar tudo o que ela pedisse; e que
depois de lavado o fato, largasse a gamela pela corrente abaixo e a fosse
acompanhando; que mais adiante havia de encontrar um velhinho muito chagado e
com fome; lavasse-lhe as feridas e a roupa, e lhe desse de comer, que mais
adiante havia de encontrar uma casinha com uns gatos e cachorrinhos muito
magros e com fome, e a casinha muito suja, varresse o cisco e desse de comer
aos bichos, e depois de tudo isso voltasse para casa. Assim mesmo foi.
No dia que a madrasta de Maria quis que se
matasse a vaquinha, a moça se ofereceu para ir lavar o fato no rio. A madrasta
lhe disse com desprezo:
— Oxente!
Quem havia de ir se não tu, porca?
Morta a vaca, a Borralheira seguiu com o fato
para o rio; lá achou nas tripas a varinha de condão, e guardou-a. Depois de
lavado o fato botou-o na gamela e largou-a pela correnteza abaixo, e a foi
acompanhando.
Adiante encontrou um velhinho muito chagado e
morto de fome e sujo. Lavou-lhe as feridas, e a roupa, e deu-lhe de comer. Este
velhinho era Nosso Senhor. Seguiu com a gamela. Mais adiante encontrou uma
casinha muito suja e desarrumada, e com os cachorros e gatos e galinhas muito
magros e mortos de fome. Maria Borralheira deu de comer aos bichos, varreu a
casa, arrumou todos os trastes e escondeu-se atrás da porta. Daí a pouco
chegaram as donas da casa, que eram três velhas tatibitates.
Quando viram aquele benefício, a mais moça disse:
— Manas,
faiemos; faiemos, manas: permita a Deus que quem tanto bem nos fez lhe apareçam
uns chapins de ouro nos pés.
A do meio disse:
— Manas,
faiemos, manas; permita a Deus que quem tanto bem nos fez lhe nasça uma estrela
de ouro na testa.
A mais velha disse:
— Faiemos,
manas: permita a Deus que quem tanto bem nos fez, quando falar lhe saiam
faíscas de ouro da boca.
Maria, que estava atrás da porta, apareceu já
toda formosa com os chapins de ouro nos pés, e estrela de ouro na testa, e
quando falava saíam-lhe da boca faíscas de ouro. Amarrou um lenço na cabeça,
fingindo doença, para esconder a estrela, e tirou os chapins dos pés, e foi-se
embora para casa. Quando lá chegou, entregou o fato e foi para o seu borralho.
Passados alguns dias, as filhas da madrasta lhe viram a estrela e perceberam as
faíscas de ouro que lhe saíam da boca, e foram contar à mãe. Ela ficou com
muita inveja, e disse às filhas que indagassem da Borralheira o que é que se
devia fazer para se ficar assim.
Elas perguntaram e Maria disse:
— É
muito fácil; vocês peçam para irem também uma vez lavar o fato de uma vaca no
rio; depois de lavado botem a gamela com ele pela correnteza abaixo e vão
acompanhando; quando encontrarem um velhinho muito feridento, metam-lhe o pau,
e deem muito; mais adiante, quando encontrarem uma casa com uns cachorros e
gatos muito magros, emporcalhem a casa, desarrumem tudo, deem nos bichos todos,
e escondam-se atrás da porta, e deixem estar que, quando vocês saírem, hão de
vir com chapins e estrelas de ouro.
Assim foi.
As moças contaram à mãe, e ela lhes deu um
fato para irem lavar no rio. As moças fizeram tudo como Maria Borralheira lhes
tinha ensinado. Deram muito no velhinho, emporcalharam a casa e deram muito nos
bichos das velhas, e se esconderam atrás da porta. Quando as donas da casa
chegaram e viram aquele destroço, a mais moça disse:
— Manas,
faiemos, manas: permita a Deus que quem tanto mal nos fez lhe apareçam cascos de
cavalo nos pés.
A do meio disse:
— Permita
Deus que quem tanto mal nos fez lhe nasça um rabo de cavalo na testa.
A terceira disse:
— Permita
Deus que quem tanto mal nos fez, quando falar lhe saia porqueira de cavalo pela
boca.
As duas moças, quando saíram de detrás da
porta já vinham preparadas com seus enfeites. Quando falaram ainda mais sujaram
a casa das velhinhas.
Largaram-se para casa, e quando a mãe as viu ficou muito triste. Passou-se.
Quando foi depois, houve três dias de festa na cidade, e todos de casa iam à
igreja, menos a Borralheira que ficava na cinza. Mas, depois de todos saírem,
ela logo no primeiro dia pegou na sua varinha de condão e disse:
— Minha
varinha de condão, pelo condão que Deus vos deu, dai-me um vestido da cor do
campo com todas as suas flores.
De repente apareceu o vestido. Maria pediu
também uma linda carruagem. Aprontou-se e seguiu. Quando entrou na igreja,
todos ficaram pasmados, e sem saber quem seria aquela moça tão bonita e tão
rica. Aí uma das filhas da madrasta disse à mãe:
— Olhe,
minha mãe, parecia Maria.
A mãe botou-lhe o lenço na boca por causa da
sujidade que estava saindo, mandando que ela se calasse, que as vizinhas já
estavam percebendo. Acabada a festa, quando chegaram em casa, Maria já estava
lá valha, metida no borralho. A mãe lhes disse:
— Olhem, minhas filhas, aquela porca ali está, não era ela, não; onde ia ela achar uma roupa tão rica?
No outro dia foram todas para a festa e Maria ficou; mas quando todas se
ausentaram, ela pegou na varinha de condão e disse:
— Minha
varinha de condão, pelo condão que Deus vos deu, dai-me um vestido de cor do
mar com todos os seus peixes, e uma carruagem ainda mais rica e bela que a
primeira.
Apareceu logo tudo, e ela se aprontou e
seguiu. Quando lá chegou, o povo ficou embasbacado por tão linda e rica moça, e
o filho do rei ficou morto por ela. Botou-se cerco para a pegar na volta, e
nada de a poderem pegar. Quando as outras pessoas chegaram em casa, Maria já lá
estava metida no seu borralho. Aí uma das moças lhe disse:
— Hoje
vi uma moça na igreja que se parecia contigo, Maria!
Ela respondeu:
— Eu!...
Quem sou eu para ir à festa?... Uma pobre
cozinheira!
No terceiro dia, a mesma coisa; Maria então pediu um vestido da cor do céu com todas as suas estrelas, e uma carruagem ainda mais rica. Assim foi, e apresentou-se na festa. Na volta o rei tinha mandado pôr um cerco muito apertado para agarrá-la; porém ela escapuliu, e na carreira lhe caiu um chapim do pé, que o príncipe apanhou. Depois o rei mandou correr toda a cidade para ver se achava-se a dona daquele chapim, e o outro seu companheiro. Experimentou-se o chapim nos pés de todas as moças e nada. Afinal só faltavam ir à casa de Maria Borralheira.
Lá foram. A dona da casa apresentou as filhas que tinha; elas, com seus cascos
de cavalo, quase machucaram o chapim todo, e os guardas gritaram:
— Virgem
Nossa Senhora! Deixem, deixem!...
Perguntaram se não havia ali mais ninguém. A
dona da casa respondeu:
— Não,
aí tem somente uma pobre cozinheira, porca, que não vale a pena mandar chamar.
Os encarregados da ordem do rei respondem que
a ordem era para todas as moças sem exceção e chamaram pela Borralheira. Ela
veio lá de dentro toda pronta como no último dia da festa; vinha encantando
tudo; foi metendo o pezinho no chapim e mostrando o outro. Houve muita alegria
e festas; a madrasta teve um ataque e caiu para trás, e Maria foi para palácio
e casou com o filho do rei.
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