Houve um homem que teve um filho chamado
João: morrendo o pai o filho herdou um gato, um cachorro, três braças de terra
e três pés de bananeiras. João deu o cachorro ao vizinho, vendeu as bananeiras
e as terras, e comprou uma viola. Foi tocar no pastorador das ovelhas do rei;
quando o pastor chegava, ele se escondia, e nunca o pastor podia ver quem
tocava a viola. As ovelhas, já muito acostumadas com o som da viola, não
queriam mais se recolher ao curral, e quando o vaquejador as perseguia elas se
metiam pelo mato, e cada dia desaparecia uma cabeça. João as ia ajuntando e
exercitando ao som da viola todas as manhãs e tardes, e acostumando-as com o
gato seu companheiro. O rei vendo as suas ovelhas sumidas, e pensando ser
desmazelo do pastor, o despediu. Vindo João à feira fazer compras para levar
para o mato, viu um criado do rei procurando um homem ou menino que quisesse
ser pastejador de suas ovelhas. Logo que o criado viu a João se agradou dele, e
disse:
— Amarelo,
queres tu servir ao rei como seu pastor?
Respondeu João:
— Que
qualidade de rei é este que não caça e pasta no mato e precisa de ser
pastorado? Esse rei é de pena, pelo ou cabelo?
O criado insultou-se, e disse-lhe:
— Como
te chamas?
João respondeu:
— O
Menino Ditoso.
O criado tomou-lhe o nome e largou-se para o palácio, e contou ao rei o que se tinha passado. Logo o rei mandou buscar o Ditoso debaixo de prisão. Chegou João com a sua viola e o gato metido num saco, e disse:
Disse o rei:
— Saibas
que estás com sentença de morte, se não deres conta de todas as ovelhas que
fugiram do rebanho.
Respondeu o Ditoso:
— Eu
sei lá quantas ovelhas faltaram no rebanho!.
Disse o rei:
— Fugiram
mil e quero todas aqui.
Retirou-se o João bem fresco; foi para o mato
e deitou-se a dormir, e o gato foi caçar rolas para o jantar. Chegando a tarde,
acordou o Ditoso e viu que nada ainda tinha feito, e pôs-se a tocar viola. Logo
se reuniram todas as ovelhas, que eram duas mil e trezentas. Ele foi tocando a
viola e seguindo para o palácio do rei, e as ovelhas foram acompanhando. O rei
ficou espantado de ver tantas ovelhas, e disse-lhe:
— Como
pudeste ajuntar tantas ovelhas?
Respondeu:
— Achei-as
à toa.
— Serão minhas todas? — perguntou o rei.
— Quem
sabe não sou eu; veja se as conhece, eu trouxe as que encontrei.
— Tu agora tomarás conta do rebanho, que
agora és meu pastor.
No outro dia antes do sol sair, o Ditoso
pediu que batessem na porta do rei e dissessem que era tempo de seguirem para o
mato. O rei acorda e chega à janela e diz:
— Vai,
Ditoso, pastorar.
O Ditoso respondeu:
— Não
posso sair sem rei, senhor, seguir no meio do rebanho, visto ser eu seu pastor,
como disse.
— És o pastor das ovelhas do rei — disse este.
— Agora
sim, respondeu João, já me convenço de que o rei, meu senhor, não é de lã, nem
de pena ou pelo; é rei de cabelo.
Nisto seguiu com o gato e as ovelhas para o
mato.
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