Uma vez havia um rei que tinha seu palácio
defronte de uma casa onde morava um velho que tinha três filhas bonitas. A mais
bonita de todas chamava-se Dona Pinta e o rei se apaixonou por ela.
Uma vez estando ele na varanda a querer
namorá-la, ela, que estava brincando com um gatinho, arribou-lhe o rabinho, e
mostrou-lhe o bueiro... O rei ficou muito zangado e quis arranjar um meio de
entender-se com a moça livremente para vingar-se. Mandou chamar o pobre do
velho e lhe disse que precisava que ele fosse vencer umas guerras. O velho se
desculpou muito, e disse que ia falar com suas filhas para ver o que elas
diziam. D. Pinta lhe disse que prometesse ao rei ir, mas pedisse uma espera de
alguns dias. Esta espera era para dar tempo a ela para fazer um alçapão na
casa.
Passados os dias, o velho seguiu para as
guerras, deixando a cada uma das filhas uma rosa, dizendo:
— Quando
eu voltar, cada uma há de me apresentar a sua rosa aberta e fresca, que é o sinal
de sua virgindade; aquela cuja rosa estiver murcha terá o meu castigo.
Depois que o velho saiu, o rei apareceu na
sua casa, e D. Pinta o recebeu. Deixou-o na sala conversando com as irmãs, e
foi para a sala de trás, e escondeu-se no seu subterrâneo. O rei cansou de
esperar, e, ficando tarde, foi-se embora muito zangado. No dia seguinte tornou
a vir, e D. Pinta fez o mesmo; no terceiro dia a mesma coisa. Aí fez mal às
duas suas irmãs, que apareceram pejadas, e cujas rosas ficaram murchas. O rei
cada vez foi tomando mais raiva de D. Pinta, ao passo que mais se acendia o seu
desejo, quanto mais ela o enganava.
Um dia ela se vestiu de moleque, e foi buscar
favas na horta do rei, o qual a viu, mas não a conheceu, e, quando o soube,
ainda mais desesperado ficou. Passou-se tempo e sempre o rei a jurando.
Uma vez ela foi buscar lenha e o rei a
encontrou no mato. Aí ela disse:
— Oh!
Como vem rei meu senhor tão cansado e tão suado! Deite-se aqui, rei meu senhor!
E sentou-se no capim, fez colo e o rei
deitou-se, e ela se pôs a catar-lhe piolhos. Foi indo, foi indo até que o rei
pegou no sono. Aí ela, bem devagarinho, levantou-se, botou a cabeça do rei numa
trouxa que fez com o xale, e largou-se, foi-se embora a toda a pressa. Quando o
rei acordou, que olhou em roda e não viu ninguém, ficou desesperado da vida.
Passou-se. As irmãs de D. Pinta ficaram em ponto de dar à luz e deram. Ela, com
medo de que o pai descobrisse a falta das irmãs, resolveu-se a ir enjeitar os
meninos no palácio do próprio rei.
Um dia, antes do pai chegar das guerras,
preparou-se de negra com tabuleiro na cabeça e os dois meninos dentro, fingindo
eram flores, e foi vender no palácio. O rei, sem saber quem era, foi ver as
flores, e, quando descobriu o tabuleiro, deu com os seus dois filhinhos. A
negra disse:
— Aí
ficam que são seus!...
E largou-se de escada abaixo e foi-se embora.
O rei então conheceu tudo, e dizia:
— D. Pinta, D. Pinta!... Um dia eu hei de vingar-me.
Tempos depois, chegou o pai das três moças
das guerras. As duas filhas desonradas ficaram mais mortas do que vivas para
irem tomar a bênção ao pai, porque não tinham mais a sua rosa viva! D. Pinta as
valeu, dizendo a uma delas:
— Tome
a minha rosa, mana, vá primeiro você, e ao depois vá fulana, e depois eu.
Assim fizeram, e enganaram o velho que de
nada soube.
Depois disto, andava o rei uma vez passeando
embarcado no mar e encontrou D. Pinta num bote também passeando. Ela, quando o
avistou, o convidou para ir para o seu barco, e passearem juntos. Na ocasião do
rei entrar, ela o atirou no lodo da maré e ele ficou todo emporcalhado. Ficou
vendendo azeite às canadas, e procurando um meio de se vingar. Não achando
nenhum, fez o plano de a pedir em casamento, e matá-la depois de casados. Fez o
pedido, e a moça não aceitou. Afinal tanto instou que a moça disse ao pai:
— Está
bom, meu pai, diga a ele que eu o aceito, mas há de me dar seis meses de
espera.
O velho foi dizer ao rei que a filha
aceitava, mas pedia uma espera. Isto era tempo que D. Pinta pedia para poder
preparar uma boneca, e parecida com ela, para enganar ao rei.
No fim de seis meses não estava pronta ainda
a boneca, e o rei, tendo mandado marcar o dia do casamento, D. Pinta respondeu
que só se casaria se o rei mandasse fazer um palácio novo. O rei concordou, e
mandou fazer o palácio. Quando já estava a obra quase pronta, D. Pinta não
tinha ainda a boneca preparada, e, então, uma noite foi ao palácio velho às
escondidas, furtou a roupa do rei, meteu-se nela e foi ter com o mestre da
obra, e fingindo que era o rei, e muito zangado dizia:
— Isto
não é obra; quero já que me botem tudo abaixo e façam tudo de novo.
Isto era de noite; o mestre da obra mandou
logo chamar todos os trabalhadores e deitaram o palácio abaixo para levantar
outro de novo. Afinal ficou pronta a boneca de D. Pinta, e também o palácio do
rei. Marcou-se o dia do casamento. D. Pinta, quando foi para o quarto de
dormir, levou a sua boneca, que era toda o retrato dela: botou-a assentada na
cama com um favo de mel no seio, e se escondeu debaixo da cama, pegando num
cordãozinho que a boneca tinha e que a fazia mover com a cabeça. O rei depois
entrou e dirigiu-se à boneca, pensando que era D. Pinta, dizia:
— D.
Pinta, tu te alembras quando teu pai foi para a guerra que eu fui três dias à
tua casa, e tu, pra caçoares comigo, te metias lá pra dentro, e não me
aparecias mais?...
A boneca bulia com a cabeça. Assim foi o rei
repetindo todas as pirraças que a moça lhe tinha feito, e no fim cravou-lhe um
punhal no seio. O mel espirrou e foi tocar nos beiços do rei, que, sentindo a
doçura, disse:
— Ah,
minha mulher, se depois de morta estás tão doce, que fará quando eras viva!
E pôs-se a chorar. Aí D. Pinta pulou de baixo
e apresentou-se:
— Aqui
estou, meu amor!
Fizeram as pazes e ficaram vivendo muito bem.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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