Uma vez havia uma rainha, casada já há muito tempo, que nunca tinha tido filhos, e tinha muita vontade de ter, tanto que uma vez disse:
— Permitia
Deus que seja uma cobra!...
Passados tempos apareceu grávida, e quando
deu à luz foi uma menina com uma cobrinha enrolada no pescoço. Toda a família
ficou muito desgostosa; mas não se podia tirar a cobrinha do pescoço da
criança. Foram crescendo ambas juntamente, e a menina tomou muita amizade pela
cobrinha. Quando já mocinha, costumava ir passear à beira do mar, e lá a cobra
a deixava e fugia para as ondas, mas a princesinha punha-se a chorar até que a
cobra voltava, se enrolava outra vez no seu pescoço e iam ambas para palácio,
onde ninguém sabia disso. Assim foram indo até que um dia a cobra entrou no mar
e não voltou mais, porém disse à irmã que, quando se visse em perigo, chamasse
por ela. A cobra tinha o nome de Labismina e a princesa o de Maria. Passados
anos, caiu doente a rainha, e morreu; mas na hora de morrer tirou do dedo uma
joia e deu ao rei, dizendo:
— Quando
tiveres de casar outra vez, deve ser com uma princesa em que esta joia der sem
ficar nem frouxa, nem apertada.
Depois de algum tempo, o rei quis se casar e
mandou experimentar a joia nos dedos das princesas de todos os reinos, e não
encontrou nenhuma em que o anel coubesse pela forma que lhe tinha recomendado a
rainha. Só faltava a princesa Maria, sua filha; o rei chamou-a e botou a joia
no seu dedo, e ficou muito boa. Então ele disse à filha que queria se casar com
ela; e, como palavra de rei não volta atrás, a moça ficou muito desgostosa e
vivia chorando. Foi ter com Labismina na praia do mar; gritou por ela, e a
cobra veio. Maria contou-lhe o caso, e a cobra respondeu:
— Não
tenha medo; diga ao rei que só casa com ele se ele lhe der um vestido da cor do
campo com todas as suas flores.
Assim fez a princesa, e o rei ficou muito
maçado; mas disse que iria procurar. Levou nisto muito tempo, até que afinal
sempre conseguiu. Aí a princesa tornou a ficar muito triste, e foi ter com a
irmã, que lhe disse:
— Diga
que só casa com ele se lhe der um vestido da cor do mar com todos os seus
peixes.
A princesa assim fez, e o rei ainda mais
aborrecido ficou. Levou muito tempo a procurar até que arranjou. A moça foi ter
outra vez com a Dona Labismina, que lhe disse:
— Diga
que só casa, se ele lhe der um vestido da cor do céu com todas as suas
estrelas.
Ela assim disse ao pai, que ficou
desesperado; mas prometeu arranjar. Levou nisto ainda mais tempo do que das
duas outras vezes, até que conseguiu. A princesa, quando o pai lhe deu o último
vestido, viu-se perdida e correu para o mar, onde embarcou num navio que Dona
Labismina tinha preparado, durante o tempo que o rei andou arranjando os
vestidos. Labismina recomendou à irmã que seguisse naquele navio, e saltasse no
reino onde ele parasse, que nessa terra ela encontraria casamento com um
príncipe, e que, na hora de casar, chamasse por ela três vezes, que ela se
desencantaria numa princesa também. Maria seguiu. No reino em que o navio parou
ela saltou em terra. Não tendo de que viver, foi pedir um emprego à rainha, que
a encarregou de guardar e criar as galinhas do rei. Passados tempos, houve três
dias de festa na cidade. Todos de palácio iam à festa, e a criadeira de
galinhas ficava. Mas logo no primeiro dia, depois que todos saíram, ela se
penteou, vestiu o seu vestido de cor do campo com todas as suas flores e pediu
a Labismina uma bela carruagem e foi também à festa. Todos ficaram muito
esbabacados de ver moça tão bonita e rica, e ninguém sabia quem era. O príncipe,
filho do rei, ficou logo muito apaixonado por ela. Antes de acabar-se a festa,
a moça partiu e meteu-se na sua roupinha velha, e foi cuidar das galinhas. O
príncipe, quando chegou a palácio, disse à rainha:
— Viu,
minha mãe, que moça bonita apareceu hoje na festa? Quem me dera casar com ela!
Só parecia a criadeira de galinhas.
— Não digas isto, meu filho; aquela pobre
tinha roupa tão fina e rica? Vai ver como ela está lá embaixo porca e
esmolambada.
O príncipe foi onde estava a criada e lhe disse:
— Ó
criadeira de galinhas, eu hoje vi na festa uma moça que só se parecia
contigo...
— Oxente, príncipe, meu senhor, quer mangar
comigo... Quem sou eu?
No outro dia, nova festa, e a criadeira de
galinhas foi às escondidas com o seu vestido de cor de mar com todos os seus
peixes, e numa carruagem ainda mais rica. Ainda mais apaixonado ficou o
príncipe sem saber de quem. No terceiro dia a mesma coisa, e a criadeira de
galinhas levou o vestido cor de céu com todas as suas estrelas. O príncipe
ficou tão entusiasmado que foi se pôr ao pé dela e lhe atirou no colo uma joia
que ela guardou. Chegando a palácio, o príncipe caiu doente de paixão e foi
para cama. Não queria tomar nem um caldo; a rainha rogava a todas as pessoas
para lhe levarem algum caldo, para ver se ele aceitava, e era mesmo que nada.
Afinal só faltava a criadeira de galinhas, e a rainha mandou-a chamar para
levar o caldo ao príncipe. Ela respondeu:
— Ora
dá-se! Rainha, minha senhora, quer caçoar comigo? Quem sou eu para o príncipe,
meu senhor, aceitar um caldo da minha mão? O que eu posso fazer é preparar um
caldo para mandar a ele.
A rainha concordou, e a criada preparou o
caldo, e botou dentro da xícara a joia que o príncipe lhe tinha dado na igreja.
Quando ele meteu a colher e viu a joia, pulou da cama contente e dizendo que
estava bom, e queria se casar com aquela moça que servia de criadeira de
galinhas. Mandaram-na chamar, e, quando ela veio, já foi pronta, como quando ia
à festa. Houve muita alegria e muito banquete, e a princesa Maria se casou com
o príncipe; mas se esqueceu de chamar pelo nome de Labismina, que não se
desencantou, e, por isso, ainda hoje o mar dá urros e se enfurece às vezes.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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