quinta-feira, 25 de novembro de 2021

A raposa faminta (Fábula), de Monteiro Lobato

 

A RAPOSA FAMINTA
 

Era uma vez uma raposa que estava quase morrendo de fome. 

Desesperada saiu pelo mundo para comer a primeira coisa que topasse. 

Encontrou um leitão. Agarrou-o. 

— Que vais fazer comigo? — perguntou o leitão. 

— Devorar-te, está claro. 

— Oh — exclamou o leitão — crua minha carne não vale nada — não tem gosto. Veja uma caçarola e um bom forno para assar-me. 

A raposa foi procurar a caçarola e o forno: quando voltou não viu nem sombra do leitão. Furiosa da vida, continuou a viagem. Deu com uma cabra. Agarrou-a. 

— Que quer fazer de mim? — perguntou a cabra. 

— Devorar-te, está claro. 

— Assim com pelo e tudo? Não caia nessa. Vá ver uma tesoura e tose-me primeiro. 

Enquanto a raposa procurava a tesoura, a cabra sumiu. Logo depois apareceu um lobo. 

— Onde vai, raposa? 

— Ando a procurar comida porque estou morrendo de fome. 

— Nesse caso acompanhe-me. 

Seguiram juntos até encontrar um cavalo. O lobo plantou-se diante dele, com o pelo arrepiado, e perguntou à raposa: "Está meu pelo arrepiado? Estão meus olhos soltando fogo?" 

— Sim — respondeu a raposa. — E o lobo lançou-se ao cavalo e matou-o. Depois dividiram a carne, comendo até não poderem mais. Estômago, porém, é saco sem fundo. Não há o que o contente. Passados uns dias a fome da raposa voltou. Saiu novamente à caça. Uma lebre vinha vindo. 

— Para onde vai, lebre? 

— Ando a procurar o que comer — respondeu o animalzinho. 

— Neste caso acompanhe-me — disse a raposa com uma ideia na cabeça: imitar o lobo. 

Seguiram. Logo adiante encontraram um cavalo. A raposa plantou-se diante dele, com o pelo arrepiado, e perguntou à lebre: 

— Estão meus olhos lançando fogo? A lebre olhou e não viu fogo nenhum. 

— Não — respondeu. 

— Estúpida! — gritou a raposa. — Responde que sim, senão te mato. 

A lebre, com medo, respondeu: 

— Sim, estão lançando fogo. 

— Que queres comigo, raposa? — perguntou o animal. 

— Devorar-te. 

— Não vale a pena — disse o cavalo. — Uso ferradura de ouro no pé direito. Vai lá e tira-a. Poderás com esse ouro comprar quantas coisas de comer quiseres. 

A raposa foi pegar a ferradura de ouro, mas pegou o maior coice de sua vida. Muito maltratada, manquitolando, recolheu-se a uma cova, onde começou a filosofar. "Achei um leitão, mas em vez de comê-lo depressa, fui procurar caçarola e forno. Resultado: sumiu-se o leitão. Achei uma cabra mas em vez de comê-la depressa, fui procurar uma tesoura — e lá se sumiu a cabra. Achei um cavalo, mas em vez de comê-lo depressa, fui atrás duma ferradura de ouro — e quase morri dum coice. Sou bem infeliz..." 

A cova onde a raposa se escondera ficava ao pé dum morro, no qual apareceu um pastor que a enxergou. O pastor pegou uma grande pedra e zás! — atirou-lhe em cima. 

— Ai, ai! — gemeu a raposa. — Levo pedrada até aqui, onde não há ninguém! 

E dando um suspiro morreu.

 

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Ano de publicação: 1937.
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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