A RAINHA QUE SAIU DO MAR
Houve um rei que desejava se casar com a moça mais bonita que houvesse no seu reino. Já se tinham corrido todas as casas, e chamado todos os pais de família para apresentarem suas filhas, e nenhuma tinha agradado ao rei. Fazia oito dias que tinha assentado praça um recruta abobado num batalhão, e neste dia tinham de ser apresentadas as filhas de um lavrador, que eram as únicas moças que o rei ainda não tinha visto, e neste dia tinham de ir à missa os batalhões.
Logo que entrou na igreja o batalhão em que
tinha assentado praça o tal abobado, pôs-se este a chorar, o que vendo o
comandante do batalhão lhe perguntou o que tinha. Respondeu ele que “nada
sofria, mas que tendo visto aquela imagem (apontando para uma imagem muito
formosa que havia na igreja) tinha ficado com saudades de sua irmã, que muito
se parecia com aquela santa."
Ficaram todos duvidosos e zombando do pobre
soldado; mas chegando aquilo aos ouvidos do rei, este mandou chamar o rapaz e
lhe indagou da verdade, ao que ele respondeu ser exato ter uma irmã muito
formosa e parecida com a imagem que havia na igreja. Perguntando o rei onde
morava ela, respondeu:
— Nas
gargantas do Monte Escarpado, a dez mil léguas por terra e cinco mil por mar.
O rei mandou logo preparar uma esquadra e
enviar uma deputação ao pai daquela moça, pedindo-a em casamento. O recruta
também foi com a comissão. Logo que chegaram ao Monte Escarpado avistaram a moça
na janela e ficaram todos esbabacados de ver tanta beleza junta. O almirante
entregou ao pai da moça a carta do rei, e o velho enviou a sua filha. Chegando
a esquadra na volta do Monte Escarpado, o mar era muito forte, e a gente saltou
para terra, indo com a moça ter à casa de uma velha, que ali morava. A velha,
que era um desmancha-prazeres, indagou para onde iam e de onde vinham, e
sabendo de tudo convidou a moça para ir dar um passeio pela horta e lá atirou
com ela dentro de um poço.
Ora já sendo de noite, quando tiveram os da
esquadra de embarcar não deram por falta da moça, porque a velha pôs em lugar
dela a sua filha, que era um monstro de feia. Quando os navios largaram e se
fizeram ao largo, a velha foi ao poço, tirou a moça para fora, cortou-lhe os
cabelos, furou-lhe os olhos, e botou-a num caixão e atirou no mar. Foi o caixão
parar ao reino primeiro que os navios. Um pescador o achou e levou para casa, e
julgando ter dinheiro, pôs-se a gabar-se, dizendo que tinha dinheiro para
combater com o rei. Foi chamado o pescador e confessou ter achado um caixão
cheio de dinheiro, e foi um guarda do palácio para examinar o caso. Aberto o
caixão deram com a moça dentro, ficando todos penalizados com aquilo por verem
uma moça tão bonita com os olhos furados e os cabelos cortados. Voltou o guarda
para palácio, fazendo conduzir a moça. Quando lá chegou, já tinha também
chegado a comissão com a filha da velha. O almirante, muito triste, disse ao
rei:
— Não
fui como vim; fui alegre e volto triste; mas me sujeito à pena que rei, meu
senhor, me quiser dar.
O rei respondeu:
— Nada
tenho a fazer, senão casar-me com esta feia mulher, que me chegou.
Houve o casamento, mas o rei se conservou
sempre triste e vestido de luto. Apresentando-se-lhe a moça dos olhos furados,
ainda mais triste ficou o rei. Sendo ela reconhecida por seu irmão e pelos da
comissão, mandou o rei buscar a velha em cuja casa estiveram de passagem. A
velha negou tudo e até desconheceu a sua própria filha. O rei reconhecendo que
os traços da velha eram os mesmos da moça com quem se tinha casado, despediu
esta e mandou furar os olhos da velha e cortar-lhe os cabelos. Logo que isto
fizeram, os olhos da moça, que foi achada no mar, tornaram a ficar perfeitos e
cresceram-lhe os cabelos. Houve então o novo casamento com a rainha, que veio
do mar, sendo nele jogada a velha.
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Ano de publicação: 1883
Origem: Rio de Janeiro (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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