quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A princesa roubadeira (Conto popular), de Sílvio Romero

 

A PRINCESA ROUBADEIRA

Havia um pai que tinha três filhos; um deles plantou um pé de laranjeira, outro um pé de limeira, e o terceiro um pé de limoeiro. Lá num dia, o filho mais velho foi ao pai e lhe disse:

 — Meu pai, eu já estou moço feito, quero sair pelo mundo para ganhar a minha vida.

O pai o aconselhou para não fazer aquilo; mas o moço instou e afinal o velho lhe disse:

 — Pois bem, meu filho, vai, mas tu que queres: a minha bênção com pouco dinheiro, ou a minha maldição com muito?

O moço respondeu que queria a maldição com muito dinheiro, e assim o pai fez. O moço disse aos irmãos que quando a sua laranjeira começasse a murchar, era ele que estava em trabalhos, e lhe acudissem. Partiu. Chegando adiante, já muito cansado e com muita fome, avistou uma fumacinha ao longe e para lá se encaminhou. Era a casa de uma senhora muito rica. Pediu um agasalho e o que comer; a senhora mandou dar-lhe de jantar. Acabada a janta, o convidou para dar um passeio em sua horta; antes de chegar a ela tinha de passar um riachinho. Aí a moça, que era a Princesa Roubadeira, suspendeu bastante o vestido a ponto de deixar ver um tanto das pernas. Passeavam na tal horta, que só tinha couves e mais nada. De volta, a princesa perguntou ao hóspede:

 — Então, o que achou mais bonito na minha horta?

Ele respondeu:

 — Couves.

A moça convidou-o ao depois para o jogo, no qual lhe ganhou todo o dinheiro que levava. Acabado o jogo, mandou-o prender e sustentar de couves. Lá em casa do moço a sua laranjeira começou a murchar. O irmão do meio, vendo isto, foi ao pai e disse:

— Meu pai, meu irmão está em trabalhos; eu quero ir atrás dele.

O pai custou muito a consentir e afinal perguntou:

 — Tu o que queres: a minha bênção com pouco dinheiro, ou a minha maldição com muito dinheiro?

Ele quis a maldição com muito dinheiro. O pai assim fez. O moço partiu. Depois de andar muito, já cansado e com fome, avistou ao longe uma fumacinha, e caminhou para ela. Apareceu-lhe, num palácio, uma linda moça, a quem ele pediu de comer e um agasalho. Ela mandou-o entrar, e servir-lhe de jantar. Depois convidou-o para dar um passeio na horta, e ele aceitou. No passar o riachinho a princesa suspendeu os vestidos, deixando ver as pernas. De volta, ela perguntou ao hóspede:

 — Então, o que viu de mais bonito em minha horta?

Ele respondeu:

 — Couves.

Lá consigo a moça disse: "Este é como o outro."

Convidou-o para jogar; ganhou-lhe todo o dinheiro, e mandou-o prender e cevar de couves. Lá em casa dele a limeira começou a murchar, e o irmão mais moço, vendo isto, foi ao pai e disse-lhe:

 — Meus irmãos, que foram ganhar a vida, estão em perigo, e eu quero ir ao seu encontro.

O pai observou:

 — Meu filho, eu já estou velho, e sendo tu meu filho único não te vás também embora.

O moço insistiu, e o pai lhe falou:

 — Então o que queres: minha maldição com muito dinheiro, ou minha bênção com pouco?

O filho respondeu:

 — A bênção com pouco dinheiro.

Partiu. Chegando bem longe, encontrou uma velhinha, que era Nossa Senhora, que lhe disse:

 — Aonde vai, meu netinho?

Ao que respondeu:

 — Vou ganhar a minha vida.

A velha lhe deu uma toalha, dizendo:

 — Quando tiveres fome, pega nela e diz: "põe a mesa, toalha!”, e a mesa aparecerá.

Deu-lhe mais uma bolsa, dizendo:

 — Esta bolsa tem o mesmo préstimo.

Deu também uma violinha, dizendo:

 — Quando se acabar a toalha e a bolsa, põe-te a tocar nela e não hás de ter fome.

O moço seguiu o seu caminho; ao longe avistou uma fumacinha e dirigiu-se para lá. Foi ter a uma casa onde estavam presos os seus dois irmãos. Aí descansou e jantou. A Princesa Roubadeira o convidou para dar um passeio na sua horta; o moço aceitou e foram. Ao passar o riachinho, a linda moça levantou os vestidos e mostrou as pernas quase todas. O moço botou os olhos com cuidado. De volta, a princesa perguntou-lhe:

 — Então, o que viste mais bonito em minha horta?

— Com licença da senhora, foram as suas pernas.

Lá consigo disse a moça: "Este me serve."

Seguiu-se o jogo em que ela lhe ganhou todo o dinheiro e mandou-o prender. Quando chegou a hora de dar de comer aos presos, indo a negra com a comida para ele, não a quis, dizendo:

 — Leve lá a sua senhora, que eu não preciso dela.

Pegou na toalha e foi comida muita que apareceu logo. Os presos todos, eram muitos, que andavam mortos de fome, comeram a fartar-se, e guardaram muita comida. A negra, vendo aquilo, foi ter com a senhora e lhe disse:

 — Não sabe, minha senhora? Aquele preso de ontem tem uma toalha que basta ele pegar nela para aparecer logo muita comida e da melhor. Só vosmecê é que devia possuir aquela toalha, princesa minha senhora.

A Princesa Roubadeira disse à negra:

 — Vai perguntar se ele a quer vender.

A escrava foi, e o preso respondeu:

 — Diga à sua senhora que para ela não é nada; basta que me deixe dormir uma noite na porta do quarto dela da banda de fora.

A escrava levou o recado. A senhora tomou aquilo por um grande desaforo; mas a negra lhe disse que não desse atenção àquilo, que não queria dizer nada, e ela ficaria com a sua toalha. No dia seguinte, ao levar o almoço, não o quis, e puxou pela bolsa e foi comida por cima do tempo. A negra, que via aquilo, correu e foi contar à senhora:

 — Não sabe, princesa minha senhora? O preso está terrível; puxou agora por uma bolsa que só vosmecê possuindo... É melhor que a toalha.

A ambiciosa mandou oferecer compra pela bolsa. O preso lhe mandou dizer que para ela não era nada; bastava deixá-lo dormir no seu quarto da banda de dentro, junto da porta. A Roubadeira ficou muito insultada, e pôs-se a rascar. Foi preciso que a escrava lhe dissesse:

 — Oxente, minha senhora, que mal faz? Vosmecê dorme em sua cama e aquele tolo lá no chão.

Fez-se o negócio, e o maganão dormiu dentro do quarto da princesa. No dia seguinte, indo a negra levar o almoço, ele puxou pela viola e pôs-se a tocar, e todos os presos a dançar, e a negra largou os pratos no chão e pôs-se também a dançar, e demorou-se muito, a ponto da Roubadeira mandar chamar a negra, admirada daquela demora. A preta lhe respondeu:

 — Minha senhora, aquele preso está com o diabo. Tem agora uma violinha que só vosmecê possuindo...

A princesa mandou logo oferecer dinheiro por ela; o preso não quis, dizendo:

 — Esta... Só se ela casar comigo!

A negra foi dar o recado. A moça arrufou-se; mas afinal consentiu, e casou-se. Depois disto todos os presos foram soltos. Houve muita festa; eu lá estive (diz a narradeira) e trouxe uma panelinha de doce, que caiu ali na ladeira. 

Entrou por uma porta,
Saiu por um canivete;
Manda o rei, meu senhor,
Que me conte sete. 


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Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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