A onça havia plantado uma roça, onde nasceu muita urtiga. A onça ficou atrapalhada. Nem entrar na roça podia, porque a urtiga arde muito. Foi então e chamou os animais da floresta.
— Quem me capinar esta roça sem se coçar ganha um boi — disse ela.
O macaco se prontificou a fazer o serviço. Mas assim que deu começo à capinação, coçou-se tanto que a onça o tocou de lá.
Veio o bode, que também se cocou com o chifre. A onça tocou o bode.
Por fim apresentou-se um coelhinho. "Esta é boa!" — disse a onça. — "Se nem o macaco e o bode puderam capinar a roça, que espera fazer este bichinho?" Mas como o coelho insistisse, consentiu.
A onça ficou fiscalizando o serviço para ver se ele se cocava; depois cansou-se daquilo e deixou uma sua filha no lugar.
O coelho, que não podia mais de tanta comichão, teve uma ideia. Voltou-se para a filha da onça e perguntou: "Escute: aqui, oncinha, o tal boi que sua mãe: prometeu não é um boi malhado, com uma mancha amarela aqui (e dizendo isso cocava a perna), e outra aqui (e cocava o lombo) e outra aqui (e cocava o focinho)?
A oncinha, muito boba, respondeu que era. O coelho prosseguiu no trabalho, e quando a comichão apertou demais veio novamente perguntar se o boi não tinha também uma mancha amarela em tal e tal parte — e cocava ali. E desse modo conseguiu capinar a roça inteira, ganhando o boi.
Mas a onça impôs uma condição.
— Compadre coelho, dou o boi, mas você só poderá matá-lo num lugar onde não houver moscas, nem galo que cante, nem galinha que cacareje.
O coelho, concordando, lá se foi com o boi em procura dum lugar onde pudesse matá-lo. Andava um pedaço, parava, escutava e sem tardança ouvia um cocoricocó!
— Aqui não serve. Tem galo — e seguia para adiante.
E foi andando até que chegou a um lugar onde não havia mosca nenhuma, nem se ouvia nenhum coricocó. Então matou o boi. Nisto surge a onça.
— Compadre coelho — disse ela — um boi é muita coisa para você. Passe para cá um pedaço.
O coelho deu-lhe um pedaço, que a onça devorou num segundo.
— Não chegou para matar a minha fome, compadre. Passe para cá outro pedaço — e o coelho deu outro pedaço. Por fim a onça devorou o boi inteirinho.
O coelhinho voltou para casa muito triste, com o facão na cintura. Ia pensando num meio de vingar-se da onça. Teve uma ideia. Entrou no mato e pôs-se a cortar cipó. Aparece a onça.
— Que está fazendo aí, compadre coelho?
— Estou tirando cipós. Como Deus vai castigar o mundo com uma tremenda ventania, preciso de cipó para me amarrar a um tronco de árvore.
A onça, amedrontadíssima, pediu:
— Nesse caso, amarre-me também, compadre.
— Não posso — disse o coelho fingida-mente. — Tenho de ir para casa amarrar meus filhinhos.
— Amarre-me primeiro, pediu a onça, e depois vá amarrar seus filhinhos.
O coelho cocou a cabeça; por fim disse:
— Está bem, comadre onça: como prova de amizade vou fazer esse grande favor — e amarrou-a com todos os cipós, deixando-a impossibilitada do menor movimento.
— Bom — disse ele ao concluir o serviço — a comadre está tão bem amarradinha que nem o maior dos furacões é capaz de arrancá-la daí — e foi-se embora, a rir.
Passado algum tempo a onça, vendo que não vinha vento nenhum, desconfiou. "Querem ver que fui tapeada pelo tal coelho? Como agora livrar-me deste amarramento?"
Vinha vindo um macaco.
— Amigo macaco, faça o favor de tirar de mim estes cipós.
Mas o macaco, sabidão que era, apenas disse: "Deus ajude a quem te amarrou", e foi-se embora.
Apareceu um veado.
— Amigo veado, faça o favor de desamarrar-me, pediu a onça.
O veado, apesar de burrinho, deu a mesma resposta do macaco, e lá se foi.
Veio o bode, e aconteceu a mesma coisa.
Passadas algumas horas, o coelho foi espiar como ia indo a onça.
— Compadre coelho, viva! O vento não aparece e eu estou que não posso mais. Venha desamarrar-me.
O coelho, com dó dela, pôs-se a desenrolar os cipós. Assim que a malvada se viu livre, nhoc! deu-lhe um pega. Mas o coelho alcançou dum pulo um buraco; mesmo assim a onça agarrou-lhe um pé. O coelho caiu na risada.
— Ah, como é tola a minha comadre onça! Agarrou uma raiz de pau e está pensando que é meu pé. Ah, ah, ah!...
A onça, desapontada, soltou as unhas, pensando mesmo que houvesse ferrado uma raiz de pau. O coelho afundou no buraco.
Uma garça veio pousar ali perto. A onça chamou-a.
— Comadre garça — disse ela — bote sentido nesta cova enquanto eu vou buscar uma enxada. Não deixe o coelho sair.
A garça ficou na árvore, com os olhos no buraco. O coelho disse:
— Que grande tola! Então é assim que garça toma conta de buraco onde está um coelho?
— Como devo fazer então? — perguntou a bobinha.
— Ora, ora! Tem de vir aqui e ficar com o bico dentro do buraco.
A garça desceu da árvore e enfiou o bico no buraco. O coelho atirou-lhe aos olhos um punhado de areia e escapou.
Nisto veio a onça com a enxada. Cavou, cavou até lá no fundo e nada de coelho.
— Comadre garça, que fim levou o coelho que estava aqui?
— Não sei — respondeu a tola. — Ele me mandou que enfiasse o bico no buraco. Assim que enfiei o bico, me botou nos olhos uma areia. Fiquei cega e nada mais vi.
A onça, furiosa, deu um bote na garça, que lá
se foi voando, muito fresca da vida.
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Ano de
publicação: 1922.
Pesquisa
e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
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