Uma onça tinha uma roça, mas como esta estivesse toda coberta de cansanção e ela não a pudesse roçar, reuniu diversos animais e disse:
— Aquele que me limpar esta roça sem se coçar, ganhará de recompensa um boi.
O macaco foi o primeiro que se ofereceu para fazer o trabalho.
Principiou a roçar, mas a onça teve de despedi-lo logo, porque ele coçou-se. Veio o veado que também não fez nada. Seguiu-se o bode que por sua vez também não pôde continuar. Afinal apareceu um coelhinho dizendo que queria limpar a roça, ao que a onça disse consigo: “Se os outros animais não roçaram, quanto mais este coelho.”
Em todo o caso, o aceitou e ele principiou o seu trabalho. Limpou um bom pedaço, e como a onça já estivesse cansada de estar ali prestando atenção, saiu, deixando um filho tomando conta do serviço e preveniu a este que reparasse se o coelho se coçava. Este aproveitando a ausência da onça, virou-se para o menino e disse-lhe, para se poder coçar:
— Ó menino, o boi que sua mãe vai me dar é pintado assim, assim, neste lugar, assim... — e assim se coçava a valer.
O menino, muito tolo, respondia:
— É.
O coelho continuava o seu trabalho, e quando o cansanção passava-lhe pelas pernas, orelhas, ou qualquer parte do corpo, ele aproveitava-se e perguntava ao menino se o boi tinha uma malha naquele lugar, assim, assim, e nisto coçava-se todo. Deste modo acabou-se de limpar toda a roça e ganhou o boi. Então disse-lhe a onça:
— Compadre coelho, você há de matar este boi aonde não houver moscas nem mosquitos, e onde não cantar galo nem galinha.
O coelho ouviu o que a onça lhe disse e saiu com o boi. Caminhou um bom pedaço e reparava. Ouvia o galo cantar, então dizia:
— Ainda não é aqui.
Caminhou durante muito tempo, e quando não viu mais moscas nem mosquitos e nem ouviu o galo cantar, matou aí o boi e principiou a esfolá-lo, quando apareceu a onça dizendo:
— Compadre coelho, por favor me dê um pedaço deste boi, que eu estou grávida e receio abortar.
O coelho partiu um bom pedaço que ela devorou de uma só vez. Ainda não satisfeita tornou a pedir mais um pedaço, e isto já ameaçando o coelho de matá-lo. Este, como se tivesse muito medo dela, foi-lhe dando a carne todas as vezes que ela pedia, acabando a onça por comer-lhe todo o boi. Depois voltou o coelho para casa somente com o facão nas costas, muito triste, mas prometendo vingar-se da onça. Prestou atenção ao lugar por onde ela mais passava e para lá foi cortar uns cipós. Nisto apareceu a onça e perguntou-lhe o que ele estava ali fazendo. Ele respondeu-lhe que Deus ia castigar o mundo mandando uma grande ventania, e que ele estava tirando aqueles cipós para se amarrar. A onça insistiu muito para que ele amarrasse ela primeiro, ao que ele fingiu não querer, dizendo que ainda tinha que ir para casa amarrar toda sua família. Insistindo a onça, disse-lhe o coelho que, como ela era sua comadre, ele lhe fazia aquele favor; e principiou a amarrá-la. Quando ela já não podia mais se bulir, disse que afrouxasse mais os cipós, mas ele continuou a apertá-la, dizendo que só assim ela resistiria ao vento e depois saiu correndo. Passou por ali o macaco, e a onça pediu para ele desamarrá-la. Respondeu-lhe o macaco:
— Deus ajude a quem aí te botou — e foi passando.
Veio o veado e a onça pediu-lhe a mesma coisa, e ele deu a mesma resposta do macaco. Com o bode aconteceu o mesmo. O coelho lembrou-se da onça e foi ver se ela ainda estava viva. Esta assim que o viu, pediu para ele desamarrá-la. O coelho fingiu não ser ele o autor da obra, e, fingindo estar muito penalizado, principiou a desatar os cipós, para ver se ela assim não o comia. A onça assim que se viu desamarrada avançou para o coelho e o quis pegar, mas ele correu e meteu-se num buraco, conseguindo a onça ainda pegar-lhe numa perna. Quando ele se viu com a perna presa, disse:
— Comadre onça ainda é muito tola, pensa que uma raiz de pau é minha perna.
Ouvindo isto a onça soltou-o, e então pegou na raiz do pau. O coelho escondeu-se lá no fundo do buraco. Estava uma garça pousada numa árvore, e a onça lhe disse:
— Comadre garça, fique botando sentido aqui que eu vou buscar uma enxada para cavar este buraco, e não deixe o coelho sair.
A garça ficou lá no pau, e o coelho lhe disse:
— Oh! É assim? Quem bota sentido a coelho vem para a porta do buraco, arregalando bem os olhos.
A garça desceu e veio para a porta do buraco, arregalando bem os olhos. O coelho atirou-lhe de dentro uma porção de areia e saiu sem que ela visse. Quando a onça chegou, principiou a cavar, mas nada de encontrar o coelho. Ela então perguntou à garça:
— Comadre garça, aonde está compadre coelho?
Esta respondeu dizendo:
— Eu não sei, ele me atirou uma porção de areia nos olhos e eu não vi mais nada.
A onça ficou muito desapontada e foi
embora.
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