A ONÇA E O BODE
Uma vez a onça quis fazer uma casa; foi a um
lugar, roçou o mato para ali fazer a sua casa. O bode, que também andava com
vontade de fazer uma casa, foi procurar um lugar, e, chegando no que a onça
tinha roçado, disse:
— Bravo!
Que belo lugar para levantar a minha casa!
O bode cortou logo umas forquilhas e fincou
naquele lugar, e foi-se embora. No dia seguinte a onça lá chegando, e vendo as
forquilhas fincadas, disse:
— Oh!
Quem me está ajudando?! Bravo, é Deus que está me ajudando!
Botou logo as travessas nas forquilhas, e a
cumeeira, e foi-se. O bode, quando veio de novo, admirou-se e disse:
— Oh!
Quem está me ajudando?! É Deus que está me protegendo.
Botou logo os caibros na casa, e foi-se.
Vindo a onça, ainda mais se espantou, e botou as ripas e os enchimentos e
retirou-se. O bode veio, e envarou a casa e foi-se. A onça veio e cobriu. O
bode veio e tapou. Assim foram, cada um por sua vez, e aprontaram a casa.
Acabada ela, veio a onça, fez a sua cama e meteu-se dentro. Logo depois chegou
o bode, e, vendo a outra, disse:
— Não,
amiga, esta casa é minha, porque fui eu quem finquei as forquilhas, botei os
caibros, envarei, e tapei.
— Não, amigo — respondeu a onça — a casa é
minha, porque fui eu que rocei o lugar, botei as travessas, a cumeeira, as ripas,
os enchimentos, e o sapé.
Depois de alguma questão, a onça, que estava
com vontade de comer o bode, disse:
— Mas
não haja briga, amigo bode, nós dois podemos ficar morando na casa.
O bode aceitou, mas com muito medo. O bode
armou a sua rede bem longe do jirau da onça. No outro dia a onça disse:
— Amigo
bode, quando você me vir frangir o couro da testa, eu estou com raiva, tome
sentido!
— Eu, amiga onça, quando você me vir balançar
as minhas barbinhas ali nas goteiras e dar um espirro, você fuja, que eu não
estou de caçoada.
Depois a onça saiu, dizendo que ia buscar de
comer. Lá, por longe de casa, pegou um grande bode e, para fazer medo ao seu
companheiro, matou-o, e entrou com ele pela casa adentro. Atirou-o no chão e disse:
— Está,
amigo bode, esfole e trate para nós comer.
O bode, quando viu aquilo, disse lá consigo: "Quando
este, que era tão grande, você matou, quanto mais a mim!"
No outro dia ele disse à onça:
— Agora,
amiga onça, quem vai buscar de comer sou eu.
E largou-se. Chegando longe, avistou uma onça
bem grande e gorda, disfarçou e pôs-se a tirar cipós no mato. A onça veio
chegando, e, vendo aquilo, disse:
— Amigo
bode, para que tanto cipó?
— Fum! Para quê?! O negócio é sério, trate de
si... O mundo está para acabar, e é com dilúvio...
— O que está dizendo, amigo bode?
— É verdade; e você, se quiser escapar, venha
se amarrar, que eu já me vou.
A onça foi, e escolheu um pau bem alto e
grosso, e pediu ao bode para que a amarrasse. O bode enleou-a perfeitamente, e,
quando a viu bem segura, meteu-lhe o cacete como terra, até matá-la. Depois
arrastou-a; chegou em casa, largou-a no chão, dizendo:
— Está;
se quiser esfole e trate.
A onça ficou espantada e com medo. Ambos dois
temiam um ao outro.
Num dia o bode pôs-se junto das biqueiras,
tomando fresco; olhou para a onça, e ela estava com o couro da testa frangido.
Ele teve receio e abalou as barbas, e largou um espirro. A onça pulou do mundéu
e largou na carreira, o bode também abriu o pano. Ainda hoje correm cada um
para o seu lado.
---
Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)
Nenhum comentário:
Postar um comentário