A MULHER GAITEIRA
Havia uma mulher casada
e que não tinha filhos. Defronte dela morava um padre, pelo qual a mulher
apaixonou-se.
Ela chamava-o de Rabo de
Galo, por ele ter os cabelos muito bonitos.
O padre não correspondia
e mesmo nem sabia de tal paixão.
A mulher já não
governava mais a casa e só queria estar na janela para ver o padre. Estava já
tão doida, que chegava a dizer ao marido: “Não é bonito aquele padre?” O marido
fingia não compreender e afirmava o que ela dizia.
Não satisfeita de ver o
padre só da janela, a mulher não perdia missa um só dia, a pretexto de ir
rezar, e o marido suportando tudo calado. Querendo ver até que ponto chegava
aquela mulher, pretextou uma viagem e escondeu-se perto de casa, recomendando à
negra que lhe fizesse sabedor de tudo o que sua mulher praticasse na sua
ausência.
Não tardou em que a
negra lhe viesse entregar um bilhete que a senhora ia mandar por ela ao padre,
no qual pedia-lhe uma entrevista à noite, visto o marido não estar em casa. O
homem apoderou-se do bilhete, disse à negra que dissesse à senhora que o tinha
entregado ao padre, e escreveu, disfarçando a letra, outro bilhete, dizendo ser
do padre, aceitando o convite e marcando a hora da dita entrevista. Trouxe a
negra o bilhete e deu-o à senhora. Esta não cabia em si de contente, e à hora
marcada, entrou o marido, que se disfarçou no padre, vestido de batina, e com
um grande chicote de couro cru escondido. A mulher convidou-o a entrar no
quarto para descansar. Aí não teve dúvida; o marido empurrou-lhe o chicote a
torto e a direito, ainda fingindo ser o padre e dizendo: “Mulher casada, sem
vergonha, como é que seu marido não está em casa, e manda-me um bilhete
convidando-me para vir aqui! Tome juízo”, dizia o padre, e empurrava o chicote
na mulher. Ela, desesperada com as bordoadas, dizia: “Vai-te embora, padre dos
diabos, se eu soubesse que tu eras tão mau, não tinha caído nesta. Sai,
malvado, tu queres me matar? Basta, não me dês tanto.” O marido, depois que
deu-lhe muito, saiu deixando a mulher quase morta de pancadas. Mudou toda a
roupa, e veio para casa, fingindo ter chegado da viagem. Perguntou pela mulher
e disseram-lhe que ela estava doente. Ele, muito penalizado, perguntou que
moléstia era aquela, pois ele a tinha deixado tão boa. Ela respondeu que sentia
muitas dores pelo corpo, mas que também não sabia o que era. Mal pôde dizer
estas palavras ao marido, e começou logo a gritar, tão forte era o seu
sofrimento. Então o marido disse que ela estava muito mal, e que ele ia mandar
chamar aquele padre, que morava defronte, para confessá-la. A mulher ouvindo
isto, exclamou: “Não, marido, por Nossa Senhora não me mande chamar aquele
padre.” O marido replicou: “Pois mulher, você não o acha tão bonito, e como não
quer que ele venha lhe confessar?” E para apreciar bem o efeito da surra,
mandou chamar o padre do Rabo de Galo, como a mulher o chamava, e este veio
confessá-la, alheio a tudo o que tinha se passado. A mulher, assim que foi
vendo o padre, foi dizendo: “Sim, seu diabo, ainda achou pouca a surra que me deu,
e ainda se atreve a vir aqui? Sai, diabo, vai-te embora.”
O padre ficou espantado,
e acreditou que a mulher estava com efeito muito doente, que talvez estivesse
com o diabo no corpo, e então benzia-a e dizia: “Filha, acomoda-te, lembra-te
de Deus, que estás para morrer. Eu esconjuro este mau espírito, em nome do
Padre, do Filho e do Espírito Santo, amém”.
“Sim”, dizia a mulher:
“Eu esconjuro é a surra que tu me deste.”
O padre, depois de muita
reza retirou-se, e o marido quase que não podia conter o riso. Passados muitos
dias, de cama, levantou-se a mulher curada da grande surra. A primeira coisa
que fez foi pregar a janela que dava para a casa do padre, com uns pregos bem
fortes, o que, vendo o marido, disse-lhe que não fizesse aquilo, que aquela
janela era para ela se distrair nas horas vagas. Por mais que o marido pedisse,
a mulher não foi capaz de deixar de pregar a janela e nunca mais olhou o padre.
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