A MÃE FALSA AO FILHO
Havia um homem de força e de coragem, de nome Pedro, que retirou-se para a roça com sua mulher chamada Maria. Foram viver nos ermos, sustentando-se com caças do mato. Lá nos ermos nasceu-lhes um filho que se chamou João. Quando o menino tinha sete anos de idade morreu seu pai. Vendo o rapazinho que a vida dos ermos era rústica, pediu à sua mãe para se retirarem para a cidade, com o que concordou a mãe. Juntaram os seus bens, que consistiam num cavalo, uma espingarda e um facão, e entraram na cidade já pela noitinha. Correu o João toda a cidade e não encontrou ninguém; bateu em todas as portas e ninguém lhe respondeu. Foi ter a um sobrado, que foi o único que achou aberto, entrou, falou e ninguém lhe respondeu. Subiu a escada, correu toda a casa e não viu viva alma.
Havia um único quarto que estava fechado,
estando todos os mais abertos. Então aí se arranchou com sua mãe e passaram a
noite. No dia seguinte não viu ninguém na cidade, nem sentiu movimento algum,
e, não tendo o que comer, foi para o mato caçar, conforme usava o seu pai.
Quando ele estava no mato, apresentou-se à sua mãe no sobrado um gigante,
dizendo-lhe que a havia de matar por ter ela se apoderado daquela casa sem a
sua licença; mas que, por ser ela mulher, não a mataria com a condição de
viverem juntos.
A mulher lhe respondeu que tinha um filho na
sua companhia. O gigante lhe disse:
— O
teu filho eu o como.
— O senhor não pode com meu filho.
— Então não é ele um homem?
— Sim, é um homem.
— Como não poderei eu com ele, se pude com
todo o povo desta cidade, e acabei com todo ele?
— O senhor não pode com meu filho, que tem
muita força.
— Pois se não posso com ele, aqui tens uma
boa forma de lhe dar fim: quando ele chegar, tu deves te fingir de doente,
gritando com uma dor nos olhos, e que tu sabes que o único remédio que existe
para este mal é a banha de uma serpente que há no mato; ora, não podendo ele
com a serpente, ela lhe dará cabo da pele.
Chegando o filho da caçada; assim fez a
mulher, como lhe ensinou o gigante. O moço então voltou para as matas. No
caminho encontrou um velho que lhe perguntou aonde ia. Respondeu que matar a
serpente para tirar a banha para deitar nos olhos de sua mãe que estava doente.
O velho lhe disse:
— Não
vás lá, que não podes com a serpente.
— Como é para minha mãe, hei de ir, aconteça
o que acontecer — respondeu o mocinho.
O velho lhe disse:
— Pois
vai, que serás feliz.
Foi ele e matou a serpente e tirou a banha.
Na volta passou por casa do mesmo velho, que o reteve para jantar. Quando
estava o mocinho jantando o velho mandou matar uma galinha e tirar a banha e trocar
pela banha da serpente. Assim fez a moça que o velho criava em casa. O João
seguiu, e deitou o remédio nos olhos de sua mãe, que não tendo nada, nada
sofreu. O gigante, no dia seguinte, ficou admirado, e, estando o João na caça,
disse à mulher:
— É verdade;
esse teu filho é homem. Amanhã, quando ele vier, faze o mesmo, e dize-lhe que
nestas matas há um porco-espinho, cuja banha é o remédio que te pode servir;
ele, que não pode com o porco-espinho, morrerá, e ficaremos livres dele.
Tudo fingiu a mulher, e o filho lá voltou
para as matas a matar o porco espinho. Tornou a passar por casa do velho, que
lhe fez outra recomendação, a que ele resistiu.
— Vai,
disse o velho, e serás feliz.
Foi e matou o porco-espinho. Tornou a passar
por casa do velho que o reteve para jantar. Mandou matar outra galinha e trocou
a banha do porco-espinho pela banha da galinha. João seguiu para a cidade e
botou a banha nos olhos de sua mãe, que nada tinha. No dia seguinte, indo ele
para a caça, apareceu o gigante e ficou ainda mais admirado da valentia do
rapaz, e disse à Maria:
— Agora
tu pegas estas cordas, e dize-lhe que ele não é capaz de as arrebentar.
Assim fez a mulher. Chegando o filho, ela lhe
disse:
— Tu
és um homem, que nem mesmo teu pai fazia o que tu fazes; mas tu não és capaz de
quebrar estas cordas em te enleando com elas.
João aceitou a proposta; a mãe o enleou, e
ele forcejou e quebrou as cordas. A mãe lhe disse:
— És
homem como trinta!
João seguiu para a caça no dia seguinte. Veio
o gigante, e, sabendo do acontecido, ficou ainda mais pasmado.
— Amanhã,
disse o gigante, dize-lhe que ele não é capaz de quebrar estas correntes.
Assim fez Maria, quando seu filho veio.
— Isto
não, minha mãe, correntes não posso quebrar.
— Tu podes, meu filho, experimenta.
— Vosmecê quer, vamos ver.
A mulher enrolou o filho com as correntes;
ele forcejou e não as pôde quebrar. Aí apareceu o gigante armado de um facão e
se arrojou ao menino para o matar.
— Pode
matar, disse João, só quero que me cumpra três pedidos que lhe quero fazer.
— Cumprirei vinte, quanto mais três.
Os pedidos de João eram: não quero que faça
uso dos objetos que meu pai deixou, nem do cavalo, nem da espingarda, nem do
facão; quando me matar não me estrague o corpo e parta-me em cinco partes;
bote-me dentro de dois jacás no cavalo com a espingarda e o facão.
Assim cumpriu o gigante. O cavalo seguiu
desordenadamente e foi ter à casa do velho. Chegou a moça na janela e,
conhecendo que era o cavalo de João, chamou o velho. Este chegou e disse:
— Minha
filha, o que ali vês é João que vem morto dentro dos jacás; traz-me para aqui o
cavalo, que quero dar vida ao nosso João.
O velho pediu a banha de serpente, e juntou
os diferentes pedaços do corpo de João, que logo sarou.
— Não
sentes coisa alguma, nem te falta nada?, perguntou o velho. Respondeu João:
— Falta-me
a vista.
O velho pediu a banha do porco-espinho, e
untou com ela os olhos do rapaz, que logo recobrou a vista.
— Pega
nas tuas armas, disse então o velho, e vai à casa de tua mãe e faz o mesmo ou
pior.
João partiu; lá chegando encontrou a mãe
dormindo com o gigante; pôs o seu facão nos peitos do monstro e o matou. A mãe
se lhe atirou aos pés, pedindo que a não matasse; e ele a fez levantar-se
dizendo-lhe que a não ofendia, por ser sua mãe. Voltou à casa do velho,
contou-lhe o que tinha feito, salvando sua mãe.
O velho louvou a sua ação, e disse que era o
seu anjo da guarda que o tinha vindo defender. Desapareceu, subindo para o céu,
e João se casou com a moça que ele tinha criado.
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