quarta-feira, 17 de novembro de 2021

A Madrasta (Conto popular), de Sílvio Romero

 

A MADRASTA
 

Havia um homem viúvo que tinha duas filhas pequenas, e casou-se pela segunda vez. A mulher era muito má para as meninas; mandava-as como escravas fazer todo o serviço e dava-lhes muito.

Perto de casa havia uma figueira que estava dando figos, e a madrasta mandava as enteadas botar sentido aos figos por causa dos passarinhos.

Ali passavam as crianças dias inteiros, espantando-os e cantando: 

Xô, xô, passarinho,
Aí não toques teu biquinho,
Vai-te embora pra teu ninho... 

Quando acontecia aparecer qualquer figo picado, a madrasta castigava as meninas. Assim foram passando sempre maltratadas. Quando foi uma vez, o pai das meninas fez uma viagem, e a mulher mandou-as enterrar vivas. Quando o homem chegou a mulher lhe disse que as suas filhas tinham caído doentes e lhe tinham dado grande trabalho, e tomado muitas mezinhas, mas sempre tinham morrido. O pai ficou muito desgostoso.

Aconteceu que nas covas das duas meninas, e dos cabelos delas, nasceu um capinzal muito verde e bonito, e quando dava o vento o capinzal dizia: 

Xô, xô, passarinho,
Aí não toques teu biquinho,
Vai-te embora pra teu ninho... 

Andando o capinheiro da casa a cortar capim para os cavalos, deu com aquele capinzal muito bonito, mas teve medo de o cortar, por ouvir aquelas palavras. Correndo foi contar ao senhor.

O senhor não o quis acreditar, e mandou-o cortar aquele mesmo capim, porque estava muito grande e verde. O negro foi cortar o capim, e quando meteu a foice ouviu aquela voz sair de baixo da terra e cantando: 

Capinheiro de meu pai,
Não me cortes os cabelos;
Minha mãe me penteava,
Minha madrasta me enterrou
Pelo figo da figueira
Que o passarinho picou. 

O negro, que ouviu isto, correu para casa assombrado, e foi contar ao senhor que o não quis acreditar, até que o negro instou tanto que ele mesmo veio, e, mandando o negro meter a foice, também ouviu a cantiga do fundo da terra. Então mandou cavar naquele lugar e encontrou as suas duas filhas ainda vivas por milagre de Nossa Senhora, que era madrinha delas. Quando chegaram em casa acharam a mulher morta por castigo.


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Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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