quarta-feira, 17 de novembro de 2021

A formiga e a neve (Versão), de Sílvio Romero

 

A FORMIGA E A NEVE
 

Uma vez uma formiga foi ao campo e ficou presa num pouco de neve. Então ela disse à neve:

 — Ó neve, tu és tão valente que o meu pé prendes?

A neve respondeu:

 — Eu sou valente, mas o sol me derrete.

Ela foi ao sol e disse:

 — Ó sol, tu és tão valente que derretes a neve, a neve que meu pé prende?

O sol respondeu:

 — Eu sou valente, mas a nuvem me esconde.

Ela foi à nuvem e disse:

 — Ó nuvem, tu és tão valente que escondes o sol, o sol que derrete a neve, a neve que meu pé prende?

A nuvem respondeu:

 — Eu sou valente, mas o vento me desmancha.

Ela foi ao vento:

 — Ó vento, tu és tão valente que desmanchas a nuvem, a nuvem que cobre o sol, o sol que derrete a neve, a neve que meu pé prende?

— Sou valente, mas a parede me faz parar.

Vai à parede:

 — Ó parede, tu és tão valente que paras o vento, o vento que desmancha a nuvem, a nuvem que esconde o sol, o sol que derrete a neve, a neve que meu pé prende?

— Sou valente mas o rato me fura.

Foi ao rato:

 — Ó rato, tu és tão valente que furas a parede, a parede que para o vento, o vento que desmancha a nuvem, a nuvem que esconde o sol, o sol que derrete a neve, a neve que meu pé prende?

— Sou valente, mas o gato me come.

Vai ao gato:

 — Ó gato, tu és tão valente que comes o rato, o rato que fura a parede, a parede que para o vento, o vento que desmancha a nuvem, a nuvem que esconde o sol, o sol que derrete a neve, a neve que meu pé prende?

— Sou valente, mas o cachorro me bate.

Vai ao cachorro:

 — Tu és tão valente que bates no gato, que come o rato, que fura a parede, que para o vento, que desmancha a nuvem, que esconde o sol, que derrete a neve que meu pé prende?

— Sou valente, mas a onça me devora.

Vai à onça:

 — Tu és tão valente que devoras o cachorro, que bate no gato, que come o rato, que fura a parede, que para o vento, que desmancha a nuvem, que esconde o sol, que derrete a neve que meu pé prende?

— Eu sou valente, mas o homem me mata.

Vai ao homem:

 — Ó homem, tu és tão valente que matas a onça, que devora o cachorro, que bate no gato, que come o rato, que fura a parede, que para o vento, que desmancha a nuvem, que esconde o sol, que derrete a neve que meu pé prende?

— Eu sou valente, mas Deus me acaba.

Foi a Deus:

 — Ó Deus, tu és tão valente que acabas o homem, que mata a onça, que devora o cachorro, que bate no gato, que come o rato, que fura a parede, que para o vento, que desmancha a nuvem, que esconde o sol, que derrete a neve que meu pé prende?

Deus respondeu:

 — Formiga, vai furtar.

Por isso é que a formiga vive sempre ativa e furtando.


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Ano de publicação: 1883
Origem: Sergipe (Brasil)
Pesquisa e adequação ortográfica: Iba Mendes (2021)

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